Editoriais
Falta de luz e de respeito
Numa época em que, perversamente, combinam-se os males da seca e do temporal, situações inusitadas se registram em São Paulo.
Alguma precariedade no fornecimento de energia elétrica é de praxe no verão. E poderia ser diferente, indaga-se o cidadão compreensivo, dada a presença de tantas árvores mal cuidadas e de tantos fios expostos às intempéries?
Seguem-se as quedas de energia; vá lá. Mas que o apagão se estenda por mais de 48 horas, atingindo 250 mil pessoas, numa das maiores cidades do planeta, já constitui sério desafio à paciência e ao bem-estar da população.
Alimentos se estragam; atividades profissionais se interrompem; pessoas enfermas ou idosas, dependendo de elevadores para sua locomoção, isolam-se em seus apartamentos --páginas e páginas poderiam ser escritas com a variedade de incômodos, prejuízos, incidentes, eventuais tragédias.
No total, foram cerca de 800 mil imóveis sem luz. Faltou energia, faltou atendimento, faltaram explicações. Faltou, sobretudo, respeito.
Na edição de ontem desta Folha (16), o cronista Antonio Prata relatou o desafio que teve de enfrentar para obter, nem se diga o retorno da energia, mas ao menos informações coerentes quanto ao prazo em que este haveria de ocorrer.
Numa rua da zona oeste paulistana, no quarto dia consecutivo às escuras, moradores cercaram um caminhão da Eletropaulo que passava por ali. Não o liberaram sem que resolvesse o problema --o que ocorreu em cerca de 40 minutos.
O "sequestro" do veículo, quem sabe, servirá de desculpa à companhia elétrica. Os cidadãos, em seu desespero, terão perturbado o cronograma estrito, racional e planejado do setor responsável.
Não haveria melhor justificativa, por exemplo, para o que aconteceu há dias num hospital-maternidade em Osasco. Depois de horas sem energia --incubadeiras tiveram de ser acionadas manualmente, e uma cirurgia foi feita à luz da lanterna do celular--, apareceu o técnico para realizar o reparo. Era coisa simplíssima; em dez minutos tudo voltava ao normal.
Como aceitar tal atraso? Terá sido culpa dos cidadãos que reclamam demais, congestionam as linhas telefônicas, ou --suprema ousadia-- pedem indenização pelos prejuízos? A Eletropaulo dá de ombros. Não se responsabiliza; talvez se sinta até um pouco vítima da situação; alguma hora, quem sabe, aparece para dar um jeito.