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Choque de realidade
Por causa de ações atabalhoadas do governo, consumidor sentirá tarifaço na conta de luz, que terá efeitos ruins para a economia
Depois da aventura eleitoreira no setor elétrico, a conta chegou. E ela não será pequena. A melhor palavra para descrever o aumento na conta de luz, que pode superar 30% em 2015, é aquela que o governo se recusa a usar: tarifaço.
A decisão de não mais cobrir o rombo das empresas distribuidoras com recursos do Tesouro Nacional atesta que o Planalto se rendeu à realidade. A medida está inserida no objetivo central de recompor as contas públicas, mas também sugere que o intervencionismo diminuirá daqui em diante.
O impacto para o consumidor decorre de várias fontes. Sozinho, o fim dos aportes do governo implica aumento de até 20%, que poderá ocorrer em março por meio de uma revisão extraordinária da tarifa, a ser solicitada pelas empresas à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Há também os repasses anuais das companhias distribuidoras, que incluem o custo mais alto da energia de Itaipu, cotada em dólar, e o início da amortização do empréstimo de R$ 17,8 bilhões feito no ano passado no intuito de retardar o problema.
Ainda está sendo negociada, entre as pastas da Fazenda e de Minas e Energia, a redução de subsídios para consumo popular, irrigação e algumas usinas mais caras.
A disposição da nova equipe econômica, ao que parece, é permitir a participação dos bancos públicos em mais um empréstimo de R$ 2,5 bilhões para equacionar diferenças não resolvidas com o primeiro financiamento --mas haverá repasse para o consumidor.
Não que o rearranjo esteja errado. Ele é necessário para estabilizar o setor, hoje desequilibrado por contas bilionárias em aberto. A interferência atabalhoada de 2012 tornou as empresas mais dependentes do mercado livre de energia, cujos preços explodiram com a seca. Tudo somado, o custo da intervenção pode chegar a R$ 100 bilhões.
Ainda que necessário para retomar investimentos e arrumar a área, o tarifaço tem consequências graves. A inflação avançará além do esperado --o Banco Central projetava tarifas 17% mais altas, o que se revela agora excessivamente otimista. Analistas privados consideram que o índice de preços pode subir 7% neste ano.
O mais preocupante, porém, é o impacto nos custos de produção. Justamente no momento em que o preço da energia despenca globalmente --nos EUA as fontes não convencionais de gás já são uma vantagem há vários anos--, as empresas brasileiras, sobretudo as industriais, sentirão efeito oposto.
Pagarão caro não porque seja inevitável, mas porque o governo da presidente Dilma Rousseff (PT), durante seu primeiro mandato, insistiu em afrontar a matemática e o bom senso.