Rosana de Vasconcellos
Bola de cristal
No dia 20 de janeiro, esta Folha trouxe a seguinte notícia: "Temporal provoca destruição e morte de 10 pessoas em São Paulo". Nada inusitado para quem está acostumado com as tempestades de verão típicas desta época do ano.
O surpreendente nesse caso foi que o desastre relatado ocorreu há meio século e a informação constava da seção Há 50 anos, de "Cotidiano".
Aldo Lucena nem era nascido quando, em janeiro de 1965, ocorreram as dez mortes e o rio Tamanduateí transbordou, alagando a região do Mercado Municipal, no centro.
Mas em dezembro de 2014 o comerciante de 45 anos teve que se refugiar sobre o balcão de sua lanchonete enquanto presenciava as águas levarem geladeira, freezer e máquina de crepe, depois da forte chuva em Itaquera (zona leste) provocar o transbordamento de um córrego da região.
Entre um evento e outro, muitas coisas mudaram nesses 50 anos. A população da cidade de São Paulo praticamente dobrou de tamanho, a impermeabilização do solo avançou, avenidas surgiram e várias siglas partidárias passaram pelo comando do município, incluindo o PSDB e o PT do prefeito Fernando Haddad.
Os temporais de verão, porém, continuaram tão previsíveis quanto as inundações no centro de Itaquera, onde vários moradores e comerciantes, escolados após anos de prejuízos, decidiram tomar suas próprias precauções e instalaram comportas para tentar impedir o avanço das frequentes enxurradas --providência que se mostrou inútil no dia 10 de dezembro.
Outras vítimas dos temporais neste escaldante verão paulistano foram as árvores. Centenas caíram, levando junto o que estivesse pela frente --especialmente os fios da rede elétrica. Além de provocar ao menos uma morte, a situação deixou vias interrompidas e bairros às escuras --em alguns casos, por dias.
Essa situação também não é novidade para autoridades ou moradores. Tanto que, em 2003, a prefeitura encomendou ao IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) um software para cadastramento e monitoramento de árvores.
Batizado de Sisgau (Sistema de Gerenciamento de Árvores Urbanas), o programa custou R$ 800 mil e está disponível desde 2007. Permite avaliar o risco de queda de uma árvore a partir de parâmetros como características da espécie, presença de pragas (como cupim), localização etc.
De lá para cá, no entanto, só 48 mil das estimadas 650 mil árvores espalhadas por calçadas e canteiros de São Paulo foram cadastradas.
É claro que sempre iremos conviver com o risco do imponderável, mas a tecnologia, o conhecimento e as experiências acumuladas deixam hoje pouco espaço para surpresas. Parece que não é bola de cristal o que está em falta.