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Futebol de outro mundo
Pela selvageria, as cenas registradas na Itália dias atrás em tudo lembravam a violência tantas vezes associada a jogos de futebol no Brasil. Pela reação das autoridades, ficou fácil notar a diferença.
Acompanhando o Feyenoord, da Holanda, torcedores que foram a Roma assistir à partida válida pela Liga Europa deixaram um rastro de destruição na capital italiana. O vandalismo, que começou na quarta-feira (18), intensificou-se no dia seguinte, quando uma fonte do século 17 terminou avariada.
Para os padrões brasileiros, talvez a vigorosa manifestação do prefeito de Roma, Ignazio Marino, já soasse surpreendente: "Isso não vai ficar assim. (...) Esse tipo de gente não é bem-vindo nesta cidade".
A agilidade da Justiça, então, parece coisa de outro mundo. Na quinta-feira (19) à tarde, soube-se não só que mais de 20 simpatizantes da equipe holandesa haviam sido detidos, o que não causa tanta estranheza, mas também que 19 já tinham sido condenados.
Enquanto isso, reportagem desta Folha mostrava o quanto a realidade brasileira é distinta. Segundo levantamento feito pelo jornal, brigas entre torcidas organizadas de clubes paulistas provocaram a morte de ao menos 11 pessoas nos últimos dez anos. Nesse período, não houve nenhuma condenação judicial relativa a esses crimes.
Sem melhorar esse tipo de estatística, o Brasil não conseguirá transformar seus estádios em ambientes acolhedores para quem busca uma opção de lazer, a exemplo do que ocorre na Europa --e a despeito de episódios pontuais de violência como os vistos na Itália.
Esse seria apenas um passo, contudo. Marco Aurelio Klein, autor do relatório final da Comissão Paz no Esporte, tem razão ao afirmar que não existe solução mágica. Somente um conjunto de ações será capaz de garantir alguma segurança nos jogos de futebol.
Klein menciona dois importantes legados da Copa: estádios sem alambrado e o sistema de monitoramento, que, segundo ele, deve ser ostensivo. Aponta, ainda, a necessidade de treinar melhor a polícia, que deve abandonar a retórica bélica, e de impedir que o vândalo frequente as arenas esportivas.
Quanto a esse último ponto, os clubes poderiam ajudar muito. Resta saber se os dirigentes estão de fato convencidos de que o futebol brasileiro precisa se modernizar tanto dentro como fora de campo.