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Divisor de águas
A estação seca no Sudeste brasileiro se avizinha sem que haja definição para a questão espinhosa: a partir de abril, quanta água será prudente retirar dos reservatórios exauridos do sistema Cantareira?
A autoridade maior para decidir sobre destinação de recursos hídricos é a Agência Nacional de Águas.
A outorga do Cantareira venceu em agosto de 2014, quando a crise no abastecimento já ganhava contornos alarmantes. Numa demonstração de bom senso, os governos estadual paulista e federal acordaram prorrogá-la até outubro deste ano. Seria, contudo, imprudente procrastinar decisões que precisam ser tomadas agora.
A ANA pretende evitar esvaziamento acelerado do Cantareira, como no ano passado. Cogita uma outorga escalonada, com volumes de retirada condicionados ao estado dos reservatórios: quanto menor o nível, menor seria a extração pela Sabesp. A renovação precisa ser solicitada até 30 de abril.
Ocorre que as águas que alimentam o Cantareira têm de bastar para outra região metropolitana, além de São Paulo --a de Campinas. Há um divisor de águas a separá-las, transposto por meio de um conjunto de represas, túneis e estações elevatórias que desviam o recurso das bacias originais dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, o complexo PCJ, para a Grande São Paulo.
A outorga anterior previa até 31 mil litros por segundo para uso da metrópole paulistana, que um dia já foram bastantes para 9 milhões de pessoas. A retirada hoje está em 14 mil l/s e abastece 5,6 milhões.
Os 5 milhões de habitantes da região de Campinas recebiam 5.000 l/s. Agora, pleiteiam 8.000 l/s.
O reequilíbrio dessa distribuição parece justificado. Também soa racional que os volumes máximos de retirada sejam calculados de acordo com o nível dos reservatórios. É fundamental que os governos estadual e municipais orientem suas ações por regras prudentes, previsíveis e monitoráveis para a alocação dos recursos hídricos.
A segurança do sistema se estreitou de maneira nunca vista, com a maior seca em oito décadas. Seria irresponsável seguir extraindo água acima da capacidade de reposição das represas.
A discussão sobre os termos da nova outorga é a melhor oportunidade para evitar a repetição de erros do passado. Diferenças ideológicas entre petistas e tucanos não têm papel a desempenhar aí.
O bem-estar da população é a barreira ética que convém manter impermeável a comezinhos interesses político-eleitorais.