Ricardo Antunes
Governo macunaímico
As recentes greves e protestos de trabalhadores demonstram que a paciência com Dilma e Levy está se exaurindo também nos setores populares
Nossos governos têm traços muito singulares, e o atual é emblemático. Foi eleito dizendo que recusava cortes nos direitos do trabalho, que não se subordinaria aos imperativos do mundo financeiro e que seria "desenvolvimentista" e antineoliberal. Ganhou no tranco, com o voto decisivo e desconfiado dos críticos que temiam algo ainda pior.
Teve uma oposição conservadora que quase lhe levou o butim e que agora busca os caminhos para o impeachment; outra à esquerda, com mais de um milhão e meio de votos no primeiro turno e, apesar do acirramento eleitoral, ainda com um expressivo índice de abstenções, votos brancos e nulos.
Levou no segundo turno, mas logo começou o terceiro. Para a economia, pensou na variante Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco. Como não deu certo, ficou, então, com Joaquim Levy, que desenha a "engenharia lucrativa" em bancos e diz que o seguro-desemprego é "completamente ultrapassado".
Em plena campanha, Dilma Rousseff disse que não cortaria direitos do trabalho "nem que a vaca tussa". A vaca nem espirrou e começou a devastação. Pergunta simples e direta: por que cortar conquistas contempladas pelo seguro-desemprego e pelo abono salarial, e não aumentar a taxação dos bancos e das grandes fortunas?
Ao contrário, o governo aumentou ainda mais os juros e nomeou uma ministra da Agricultura escolhida a dedo no paiol do agronegócio. Entre o macunaímico e o pícaro, mas sem os atributos de seu criador, o governo Dilma simplesmente diz o que não faz e faz o que não fala. Assim, desmorona a cada dia.
Tornou-se, então, ainda mais extemporâneo o debate entre neodesenvolvimentismo e neoliberalismo. O que o governo chama de neodesenvolvimentismo estampa uma política econômica que mantém juros altíssimos e reduz impostos, como o do setor automobilístico.
Preservou e ampliou as privatizações, incentivou o agronegócio e, na outra ponta, ampliou o consumo dos assalariados enquanto o cenário foi favorável, mas o mito desmoronou e o projeto entrou em colapso.
O exemplo é cabal: os cortes de Dilma e Levy afetam mais pesadamente os assalariados e, ironia da história, a educação pública, em um governo cujo slogan natimorto é "Brasil, Pátria Educadora"! O descontentamento, então, ampliou-se, atingindo diferenciados e opostos grupamentos e classes sociais.
A rebelião dos professores contra múltiplos governos e seus "ajustes fiscais", as greves na metalurgia e em outros setores, as demissões e revoltas dos petroleiros terceirizados --penalizados por uma corrupção da qual não são responsáveis-- e, ainda, a ação de caminhoneiros (apesar de heterogêneos) demonstram que a paciência também está se exaurindo nos setores populares.
Se já havia uma irritação das camadas médias e de várias frações dominantes que votaram em Aécio Neves --e que não se conformaram com a derrota--, esse cenário vem se ampliando exponencialmente.
É diante deste quadro turbulento que setores conservadores procuram politizar as rebeliões iniciadas em junho de 2013, canalizando em direção ao pedido de impeachment de Dilma. E como vão atuar as periferias, as classes trabalhadoras, neste atoleiro em que se embrenhou o nosso governo macunaímico?