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Plataforma vazia
Juntos, Brasil e Ucrânia sonharam com as estrelas durante 12 anos e R$ 1 bilhão. Esses foram o tempo e o custo da fracassada parceria entre os dois países na área espacial, agora encerrada pelo governo brasileiro, conforme noticiou esta Folha.
A premissa do acordo, firmado em 2003 (governo Lula), fazia sentido. A Ucrânia entraria com o foguete, o Cyclone-4, e o Brasil, com a plataforma, em Alcântara (MA).
Em conjunto, ambos explorariam o bilionário ramo de lançamento de satélites, valendo-se da privilegiada localização da base brasileira. Pela proximidade com a linha do Equador, ela permite economizar cerca 30% de combustível.
Nos detalhes, contudo, vê-se que não eram poucos os obstáculos ao sucesso da empreitada.
O foguete, originalmente um míssil balístico soviético, necessitaria de vultosos investimentos para se converter num veículo moderno para levar satélites ao espaço. Além disso, teria capacidade para pôr em órbita artefatos de no máximo duas toneladas, quando muitos deles chegam a quatro.
Por fim, clientes americanos --cerca de 80% do mercado-- não poderiam usar Alcântara enquanto não fosse firmado um acordo de salvaguardas com os EUA.
Apesar disso, o projeto foi assinado; criou-se uma empresa binacional. Seguiram-se atrasos, interrupções, falta de verbas e até disputas com comunidades quilombolas em torno da área escolhida para a base, no Maranhão.
Agora, o cenário de desequilíbrio econômico selou o destino de um empreendimento sem perspectiva de conclusão no curto prazo. Tendo consumido centenas de milhões de reais, seu legado é uma plataforma pela metade, com chance de virar um grande ferro-velho.
A malfadada experiência, todavia, não significa o fim do programa espacial brasileiro nem diminui a importância de Alcântara como um dos centros de lançamento mais bem localizados do mundo.
Nos últimos anos, vem sendo desenvolvido com aparente sucesso o chamado VLM (Veículo Lançador de Microssatélites), versão mais moderna e modesta do VLS (Veículo Lançador de Satélites).
Não está descartada, além disso, a exploração comercial do centro maranhense, que poderia render bilhões de dólares ao Brasil.
Para isso, contudo, precisariam ser reabertas as negociações com os EUA em torno das salvaguardas tecnológicas, única maneira de o Brasil lançar dispositivos espaciais com componentes americanos.