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Privatizar o casamento
A Suprema Corte dos EUA ouviu nesta semana argumentos de defensores e opositores do chamado casamento gay. Acredita-se que a mais alta instância do Judiciário norte-americano tomará em breve uma decisão sobre a matéria, unificando a regra para todo o país.
Hoje, o casamento entre homossexuais é legal em 36 dos 50 Estados dos EUA, mas algumas unidades federativas aprovaram leis que proíbem essas uniões. Cabe aos nove ministros deliberar sobre a constitucionalidade das proscrições.
Ergue-se, de um lado, o princípio da igualdade diante da lei; de outro, a autonomia dos Estados para legislar livremente.
Há dois anos, a corte teve a oportunidade de fixar um juízo amplo acerca do tema, mas optou pela cautela. Mesmo ministros considerados progressistas avaliaram que o tribunal deveria esperar maior amadurecimento do debate antes de se posicionar de modo definitivo.
O processo avançou depressa desde então. O número de Estados que permitem o casamento gay saltou de 17 em 2014 para os atuais 36. Além disso, segundo pesquisas da CNN, em agosto de 2010, 49% dos norte-americanos apoiavam a ampliação do conceito de casamento; em fevereiro de 2015, já eram 63%.
O grande foco de oposição são os conservadores religiosos; a maior parte deles resiste não por entender que os gays devem ter menos direitos --como o de receber herança--, mas para preservar o que julgam ser a natureza do casamento.
Existe um problema de fundo nessa questão --não só nos EUA mas também nos países que já legalizaram uniões entre parceiros do mesmo sexo. O casamento reúne duas funções muito distintas: uma contratual, com consequências jurídicas, fiscais e previdenciárias, e outra de reconhecimento social, com implicações para o status dos envolvidos.
Ocorre que esse duplo papel é um fóssil institucional, legado de uma época em que as pessoas pediam ao Estado licença para manter relações sexuais e procriar.
Com o avanço das liberdades individuais e dos direitos civis a partir do século 18, isso se tornou irrelevante. Para o Estado, só faz sentido regular as relações jurídicas decorrentes das uniões, sejam elas entre homossexuais ou heterossexuais. Os demais aspectos independem do beneplácito oficial.
Desse ponto de vista, a função de reconhecimento social do casamento poderia ser privatizada. Cada igreja, e mesmo associações civis, estaria livre para fazer celebrações conforme suas próprias regras.