Ruy Castro
Ou ou
RIO DE JANEIRO - Como não me canso de dizer, o único biografado possível é o biografado morto. Não se pode confiar no biografado vivo. Ele mente sobre si mesmo, exige acesso ao original antes da publicação --para ver se está tudo "certo"-- e, se for o caso, desmente que tenha dito algo cuja publicação autorizou.
Na semana passada, tivemos a história do veterano político que autorizou sua biografia, colaborou com os biógrafos, aprovou os originais, recebeu o livro pronto, presenteou dezenas de pessoas com exemplares autografados e, ao saber que certa passagem comprometia terrivelmente um amigo, negou que o amigo lhe tivesse dito aquilo que os autores escreveram que ele dissera. O biografado é o ex-presidente uruguaio José Mujica. O amigo é o ex-presidente Lula. Os autores, Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz. O livro, "Una oveja negra al poder" (Uma ovelha negra no poder).
Em determinada página, os autores escrevem: "Lula teve de enfrentar um dos maiores escândalos da história recente do Brasil: o mensalão, uma mensalidade paga a alguns parlamentares para que aprovassem os projetos mais importantes do Poder Executivo". Três linhas depois, continuam: "'Lula não é um corrupto como Collor de Melo e outros ex-presidentes brasileiros', disse-nos Mujica, ao falar do caso. Ele contou, além disso, que Lula viveu todo esse episódio com angústia e um pouco de culpa".
Ao se dar conta da mancada --e temendo a ira de Lula--, Mujica negou que Lula tivesse falado com ele sobre o mensalão. Bem, então, o que significa a frase "disse-nos Mujica, ao falar do caso"? Que caso seria além do mensalão, o único citado três linhas antes? E "esse episódio", como se explica?
Os autores agora também desmentem que Mujica lhes tenha falado sobre o mensalão. Fica a dúvida: ou Mujica já não sabe o que diz ou os rapazes não sabem escrever.