Adriano Bretas e Tracy Reinaldet
Delação premiada, uma estratégia de defesa
A colaboração não é apenas um meio de prova; trata-se de importante alternativa de defesa. Quem descarta essa hipótese sai em desvantagem
Com a deflagração da Operação Lava Jato, muito tem se discutido a respeito da delação premiada (a rigor, na Lei sobre Organizações Criminosas, o termo é "colaboração").
Respeitável setor acadêmico tem se proclamado contra o instituto. Um enfrentamento equilibrado do assunto, sem embargo, exige uma depuração desses juízos de valor que reduzem a complexidade do debate a dualidades maniqueístas.
Seriam dois "blocos": o dos que são "contra" e o dos que são "a favor". Não que a neutralidade científica seja uma anestesia crítica, mas hoje em dia já se tornou bizantina a discussão sobre ser a favor ou ser contra os acordos de colaboração.
Um dos principais argumentos dos opositores desse instituto reside no campo ético. Vitupera-se o estigma de Judas Iscariotes para lançar o rótulo de alcaguetes, etiquetado sobre os que detratam o pacto de silêncio na "ética do crime".
A julgar por esse raciocínio, comportamento ético seria concordar que o acusado expiasse sozinho uma pena individual por uma culpa coletiva. Filosofias à parte, juízos de valor devem ser aquilatados em proporção à (a)normalidade das circunstâncias que pode sufragar um terreno axiologicamente neutro.
Aliás, quando se fala em ética, o maior postulado deontológico do advogado está ancorado ao seu cliente. Se o acordo lhe favorece, está previsto em lei, fica difícil imaginar qual o impeditivo ético do advogado em subscrevê-lo.
Outro ponto importante diz respeito à natureza jurídica da colaboração. Ela não é apenas meio de prova. Mais do que isso, trata-se de importante alternativa de defesa. Sem dúvida, a defesa que descarta essa hipótese de antemão já entra no "jogo processual" em desvantagem, porque dá a largada sem uma importante arma defensiva.
A Justiça criminal negociada já está presente em nosso ordenamento em diversos institutos, desde a atenuante da confissão espontânea, passando pelo arrependimento posterior, até a transação penal, a suspensão condicional do processo e o acordo civil extintivo da punibilidade. A colaboração premiada é apenas mais um desses institutos.
Um terceiro aspecto constantemente invocado pelos críticos da colaboração aponta que o colaborador "vira-casaca" e, assim, restaria esvaziada a essência da função de seu advogado. Ledo engano.
A celebração de um acordo de colaboração premiada, não raro, encerra alta indagação jurídica em relação aos seus requisitos, o limite de suas cláusulas, suas hipóteses de rescisão, o alcance de seus efeitos, os benefícios possíveis, a competência para homologação, enfim, um sem-número de desdobramentos de agudas reflexões.
Defender um colaborador exige fiscalizar as filigranas técnicas da celebração e do posterior cumprimento de cada cláusula do acordo.
Por fim, costuma-se dizer que a "delação premiada inverte o princípio da culpabilidade". Outro equívoco. Primeiro, porque o argumento é lançado como se a única finalidade da pena fosse (e não é!) retributiva. Depois, porque a culpabilidade é garantia do indivíduo para limite do "jus puniendi" --o direito do Estado de punir--, e não o contrário.
Em tempo: em países como Espanha, Itália e Estados Unidos o assunto é tratado com a mesma sobriedade com que é tratado qualquer outro instituto jurídico.
Por aqui, em vez de "ser contra" uma realidade inexoravelmente posta, melhor seria se o assunto fosse enfrentado de forma madura para proporcionar ao jurisdicionado a tão desejada segurança jurídica. É preciso melhorar a reflexão sobre a matéria.