Ruy Castro
Começo do degelo
RIO DE JANEIRO - Deu no jornal: em Havana, cubanos usando camisetas, shorts e vestidos estampados com a bandeira americana --alguns, enrolados na própria bandeira. Tudo importado da Flórida ou do Panamá. E janelas, paredes e fachadas cobertas de adesivos, pôsteres e grafites com as, até há pouco, satânicas listras e estrelas. É o começo do degelo diplomático entre Cuba e EUA. E por que não? Flanando com Paulo Francis por Nova York nos anos 80, víamos na Quinta Avenida jovens com a estampa do Che no casaco. Ninguém dava bola. O único que resmungava era o Francis.
Para ser franco, essa adesão dos rapazes e moças de Havana aos símbolos do ex-inimigo não me surpreende. Passei uma semana lá em dezembro de 1989, nos 30 anos da revolução, e era nítido como eles valorizavam cada partícula de cultura estrangeira. No famoso bar de Hemingway, a Bodeguita, havia mais fotos do Rubens de Falco e da minha amiga Lucélia Santos --astros da novela "La Esclava Isaura", então levando na TV local-- do que do próprio Ernest.
Meu fotógrafo Hélio Campos Mello, se aceitasse as ofertas que lhe faziam na rua por seus coletes e calças típicos de fotógrafo, teria ficado pelado na via pública. As românticas normalistas de Havana, com suas sainhas azuis e meias 3/4 brancas --iguais às das escolas públicas cariocas--, pintavam juras de amor nas unhas: "Te amo, Juan", uma letra em cada unha.
Mas o melhor foi um desfile da alta costura cubana (sim, existia!) a que me levaram na velha Tropicana. As manequins eram mulatas e morenas indescritíveis, cada qual com 1,90 m só de pernas, apresentando uma espécie de moda guerrilheira --camisas camufladas amarradas na cintura e shortinhos curtos e cavados-- e desfilando ao som de "La Bamba" e "Guantanamera" em ritmo de discoteca.
O descongelamento deve ter começado ali.