Os trilhos da Turquia
Apesar de não ter disputado as eleições realizadas na Turquia no último domingo (7), o presidente Recep Tayyip Erdogan emergiu como o grande derrotado no pleito que renovou o Parlamento do país.
Isso se deu não só pela desidratação de seu partido, o Justiça e Desenvolvimento (AK), que passou de 327 para 258 cadeiras --são 550 no total. Com o resultado, a sigla perdeu a maioria conquistada em 2003 e mantida com folga desde então.
Mais relevante, a magra vitória do AK deixa a agremiação longe dos dois terços de assentos necessários para dar suporte aos planos de Erdogan, que busca alterar a Constituição a fim de ampliar seus poderes como presidente --hoje um cargo essencialmente simbólico.
Os eleitores turcos, dessa forma, deixaram claro que rejeitam o caminho da autocracia. Nem por isso, contudo, o atual presidente terá perdido o posto de figura política mais influente do país.
Primeiro-ministro de 2003 a 2014, Erdogan adotou políticas de distribuição de renda, conduziu reformas que estabilizaram a economia e obteve taxas de crescimento acima de 8% em 2010 e 2011. Além disso, iniciou o ainda inconcluso processo de integração do país à União Europeia e enquadrou a ala rebelde do Exército.
O país de 80 milhões de habitantes consolidou-se como um raro exemplo de democracia bem-sucedida no mundo islâmico.
Nos últimos anos, porém, Erdogan iniciou lastimável escalada autoritária. Passou a perseguir críticos ou opositores e a defender maior controle sobre o Judiciário. Em 2013, reagiu com violência a protestos pacíficos em Istambul.
A economia da Turquia também perdeu parte do ímpeto. Em 2014, o PIB do país cresceu 2,9%, e o desemprego chegou à casa dos 10%.
Tão marcante para a política turca quanto a frustração dos planos de Erdogan é a ascensão do partido que representa a minoria curda. A sigla, que também defende direitos de mulheres e homossexuais, tornou-se a maior surpresa da eleição, ao obter 80 cadeiras.
Sua estreia no Parlamento constitui um passo significativo para o movimento que luta pelas bandeiras desse grupo étnico --e que travou confronto sangrento com o Estado turco por 30 anos.
A partir de agora, a agremiação de Recep Tayyip Erdogan se encontra numa posição inédita, a de ter de negociar uma coalizão. Praticamente o reverso do que o presidente planejava antes das eleições.