Paulo Cezar Aragão
O Brasil precisa de um novo Código Comercial?
-
Não
Distinção anacrônica
Antes de discutirmos se o projeto de Código Comercial, hoje em análise no Congresso Nacional, é bom ou não, convém analisar se ele satisfaz alguma necessidade dos agentes econômicos, se precisamos efetivamente de um Código Comercial ou se ele constitui apenas uma solução --boa ou má-- em busca de um problema.
Nesses termos, fica mais fácil debater a questão sem transformá-la em um duelo de torcidas. Hoje tramitam no Congresso dois projetos de novo Código Comercial.
Um na Câmara dos Deputados --o projeto de lei nº 1.572/2011 do deputado Vicente Cândido (PT-SP)-- onde uma comissão especial foi formada para analisar os mais de mil artigos do projeto.
Outro --o projeto de lei do Senado nº 487/2013 de autoria do senador Renan Calheiros (PMDB-AL)--, onde o texto elaborado por uma comissão de juristas aguarda a escolha de um relator.
Lá se vão alguns séculos desde quando uma discussão similar teve lugar no que viria a se transformar na Alemanha, com a edição do Código Civil alguns anos após a unificação nacional. Tanto o código alemão como outros têm esse traço comum: a sinalização de uma mudança relevante na sociedade.
Se, como se diz, o Código Civil é a Constituição do homem comum, entende-se a necessidade de um código ao ensejo de uma grande ruptura na ordem jurídica. Além da Alemanha, foi assim com o Código Napoleônico, após a queda da monarquia, e com o Código Civil italiano, no pós-guerra. E, no Brasil independente, com muita demora, após idas e vindas de vários anteprojetos.
Dito isso, a pergunta é inevitável é esta: o que mudou que fez com que o Código Civil, em vigor desde 2003, tenha que ser retalhado e, na atividade econômica, substituído? A resposta é simples: nada.
As mudanças reais tiveram lugar há décadas atrás, e correspondem ao reconhecimento de que a regulamentação específica do direito dos comerciantes, do ordenamento jurídico do ato de comércio, fazia sentido em 1850, quando da edição do Código Comercial, mas não hoje.
Lá havia um direito dos negócios civis, centrados na propriedade fundiária, em oposição ao direito dos atos de comércio, objeto de um decreto imperial da mesma data.
Conforme já se disse, evoluímos da mercancia, da regulação do ato de comércio, para a regulamentação unificada dos mercados, da atividade empresarial e da sociedade empresária. Isso foi percebido pelo Congresso quando buscou unificar no Código Civil à disciplina das relações negociais e empresariais.
A regulação jurídica específica da economia fundada no comércio, como atividade isolada, não faz mais sentido. Essa distinção é anacrônica num cenário onde os serviços são cada vez mais importantes.
Não precisamos de um novo código. Precisamos, sim, de uma urgente revisão da regulamentação das sociedades empresárias, que é muito deficiente.
Não precisamos incluir em um código novo certos negócios jurídicos hoje regulados em leis extravagantes, até porque outros continuariam fora do código.
Não precisamos de uma regulamentação dos títulos de crédito, já confusamente regidos ao mesmo tempo por leis especiais, convenções internacionais e Código Civil.
Argumenta-se que princípios gerais da atividade negocial são importantes, mas isso é um equívoco. Se forem idênticos aos do Código Civil, a parte geral do Código Comercial é redundante. Se forem diferentes, será inconveniente, já que não é possível imaginar uma boa-fé objetiva comercial e outra civil. Nem tampouco uma função social do contrato comercial e outra civil.
Se o Código Civil está ruim, não o consertamos nem o atualizamos. Propomo-nos a fazer outro. Não é o melhor caminho, e certamente o Congresso o reconhecerá.