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Agentes de insegurança
Impossível não se alarmar com o resultado de pesquisa feita pelo Datafolha em cidades com mais de 100 mil habitantes: 62% dos entrevistados dizem ter medo de sofrer algum tipo de violência por parte da Polícia Militar –e 53% quando se pergunta sobre a Polícia Civil.
Em outras palavras, funcionários públicos encarregados de proteger os cidadãos são vistos pela maioria como fonte de insegurança, receio, temor. Trata-se de completa inversão de valores, mas nem por isso, infelizmente, o percentual revelado pelo levantamento chega a causar grande surpresa.
Sabe-se muito bem o que está por trás dessa percepção majoritária: a rotina de abusos e assassinatos cometidos por policiais, muitos dos quais seduzidos por uma cultura do arbítrio incompatível com os padrões democráticos.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2013, nada menos que 2.212 pessoas morreram pelas mãos de agentes da lei. Em cinco anos (de 2009 a 2013), as forças de segurança por aqui foram responsáveis diretas por 11.197 mortes; nos EUA, com uma população 60% maior, cifra parecida (11.090) foi atingida em três décadas.
Às estatísticas anônimas se somam diversos casos com maior ou menor notoriedade, como o inexplicado desaparecimento do pedreiro Amarildo Dias de Souza na favela da Rocinha, no Rio, há dois anos. As suspeitas, como se sabe, recaem sobre integrantes da Unidade de Polícia Pacificadora local.
A julgar por inaceitável prática identificada pela ONG Anistia Internacional, é provável que o episódio termine sem nenhuma condenação. Em relatório recente, a organização afirma que, em 2011, por exemplo, dos 220 processos administrativos abertos, só 1 desaguou em denúncia à Justiça, enquanto 183 permanecem inconclusos.
Tal situação, obviamente, não é gratuita. Segundo a Anistia Internacional, quando há policiais envolvidos em algum delito, "as investigações são frequentemente prejudicadas pela alteração das cenas dos crimes", e testemunhas, com "medo de retaliações", quase nunca prestam depoimentos.
Pode-se afirmar, sem receio de errar, que o costume do acobertamento se repete nos outros Estados brasileiros. Os governantes precisam se dar conta de que, para melhorar a segurança pública, precisam aprimorar o trabalho de suas forças policiais –processo que, necessariamente, inclui pôr fim à impunidade corporativista.