Hélio Schwartsman
Entre dois mundos
SÃO PAULO - Eduardo Cunha diz que ficará na presidência da Câmara, mesmo tendo sido formalmente denunciado ao STF por envolvimento em esquemas de corrupção. É normal que ele deseje permanecer numa posição que, afinal, lhe dá a oportunidade de criar todo tipo de manobra diversionista –o que, a essa altura, pode ser sua melhor estratégia de sobrevivência. O que surpreende é que os demais deputados não estejam a exigir sua cabeça.
Pela etiqueta política que vigorava até há pouco, parlamentares e governantes sobre os quais recaíssem suspeitas fortes logo renunciavam a seus postos, ou pedindo desculpas à população, ou dizendo confiar que sua inocência seria comprovada no curso das investigações. Em certas partes do mundo, até o suicídio despontaria como uma possibilidade.
Esse gênero de reação, até certo ponto hiperbólica, é bastante típico das chamadas culturas de honra, nas quais a reputação de uma pessoa –e políticos, mais que outros segmentos da sociedade, vivem de reputação– é seu bem mais precioso, que ela defenderá a qualquer preço, mesmo que tenha de recorrer à força. Aos que perdem sua, vá lá, honra só resta resignar-se ao isolamento social.
Contrapõem-se às culturas de honra as culturas da lei. Aqui, já não vale o cada um por si. A convivência entre as pessoas é mediada por um conjunto de normas escritas e assegurada por um poder impessoal –o Estado. É nesse contexto que emerge a famosa presunção de inocência, à qual Cunha e outros políticos acusados agora recorrem para não ser apeados do poder.
Vivemos uma transição. A cultura de honra que sempre marcou o estilo "macho" latino-americano vai cedendo espaço para a cultura da lei, o que é bom, já que isso significa mais civilização e menos violência. O preço a pagar é que não devemos mais esperar que políticos ponham fim a suas carreiras, mesmo quando apanhados com a boca na botija.