EDITORIAIS
Ameaças às pesquisas
Senado aprova nova tentativa de restringir sondagens de opinião perto das eleições, mas Câmara em boa hora barrou o desatino
Em uma rara demonstração de que o bom senso ainda tem lugar na Câmara, os deputados federais barraram nesta quarta-feira (9) uma medida disparatada que o Senado havia aprovado no dia anterior.
Trata-se de dispositivo legal que impediria veículos de imprensa de contratar institutos de pesquisa que tivessem prestado serviços a partidos ou órgãos públicos até um ano antes das eleições.
Valendo-se de caminho sinuoso, a proposta, em boa hora rejeitada, reproduz objetivo já expresso em outros projetos: limitar a circulação de informações entre os eleitores.
Com efeito, para garantir sua sobrevivência econômica, muitos institutos fecham contratos com todos aqueles que tenham interesse em contratá-los, o que inclui, naturalmente, agremiações políticas e entidades governamentais.
Obviamente, a limitação valeria apenas para o grande público; os políticos nunca deixariam de contar com as sondagens internas.
Essas canhestras tentativas de sabotar o eleitor remontam pelo menos aos anos 1990, quando as pesquisas eleitorais por amostragem estratificada começaram a ser mais utilizadas no Brasil. O fato de a censura não ter triunfado não bastou para desanimar os legisladores.
O principal argumento empregado na defesa da restrição aos levantamentos de opinião não passa de uma platitude: a divulgação dessas pesquisas pode alterar o desfecho de um pleito eleitoral. Pode, de fato, assim como tudo o que acontece antes de alguém votar pode interferir na disputa.
Salta aos olhos o caráter anedótico do raciocínio. É de imaginar, por exemplo, que notícias a respeito de descalabros administrativos ou desvios de recursos públicos, devidamente interditadas em ditaduras e autocracias, tenham grande efeito sobre as intenções de voto. Os senadores pretendem proibir a circulação de tais reportagens?
Se existe o risco de algum instituto desonesto fraudar seus próprios resultados com o objetivo de favorecer certo candidato, ele é limitado. As disputas mais candentes costumam ser acompanhadas por mais de uma organização, o que reduz sua influência.
Ademais, reputações importam. Um instituto que se venda para partidos não teria vida longa numa economia de mercado.
Embora muitos congressistas enxerguem nas pesquisas de opinião uma vulnerabilidade da democracia, sua existência representa uma virtude: eleitores interagem uns com os outros, com os candidatos e com a realidade antes de tomar uma decisão –de preferência fundamentada na maior quantidade possível de informações.
Manter o eleitor na ignorância interessa apenas aos piores políticos.