Ruy Castro
Chega de saudade
RIO DE JANEIRO - A propósito da coluna de sábado ("Saudade das fraldas", 12/9) em que me declaro contra qualquer tipo de saudosismo, um leitor lembrou que já publiquei um livro chamado "Saudades do Século 20". É verdade. Saiu em 1994, quando o século 20 ainda nem tinha terminado, e havia uma ironia no título. Quase todos os artistas sobre os quais escrevi –Billie Holiday, Anita O'Day, Doris Day, Raymond Chandler, Dashiell Hammett, Mae West, Orson Welles– passaram por graves dependências químicas, cônjuges psicopatas, perseguições horríveis ou sensação patológica de fracasso. Nada de que eles próprios tivessem "saudades".
Em compensação, meu primeiro livro, de 1990, sobre a bossa nova, se chamou "Chega de saudade". Era uma tentativa de, ao contar sua história, tirar da bossa nova o estigma de música do passado e mostrar que ela não pertencia somente aos que viveram a "sua época" –mas era um patrimônio da cultura brasileira, que não podia ser abandonado. Naquele ano, não havia um só disco da bossa nova clássica nas lojas do Brasil. Quem quisesse comprá-los, que fosse a Tóquio.
Desde então, a situação mudou. Os clássicos foram relançados, artistas cujas carreiras pareciam encerradas voltaram a trabalhar e gravaram-se muitos e grandes discos. Os jovens descobriram a bossa nova e estão buscando uma nova bossa nova. Você dirá que a bossa nova não está nas paradas. Ótimo –é melhor mesmo ficar longe. Os sabiás e bem-te-vis também não estão nas paradas, mas podemos ouvi-los todos os dias.
E, idem, não acredito nos "anos dourados". Descobri que o passado –qualquer passado– nunca foi tão bom quanto visto do presente, e a melhor coisa a respeito dele é que, então, tínhamos 20 ou 30 anos a menos.
A prova disso é que, por incrível que pareça, um dia alguém terá saudades de hoje.