Victor Santos Rufino e Francisco Schertel Ferreira
Colaboração no combate a cartéis
Após reforma do Cade em sua política de acordos em investigações de cartéis, foram celebrados mais de 50 termos de compromisso
Em março de 2013, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) realizou profunda alteração na sua política de negociação de acordos em investigações de cartéis. Tais acordos são conhecidos como termos de compromisso de cessação (TCCs), cabendo ao Cade regulamentá-los.
A reforma da política de acordos do Cade de 2013 foi estruturada a partir de dois eixos: a rejeição aos chamados acordos "pay-to-go", em que os investigados pagam multas pecuniárias, mas não confessam a prática do ilícito nem colaboram com as investigações, e o aumento da previsibilidade para os investigados interessados em celebrar o termo de compromisso.
Embora amparada nas melhores práticas internacionais e na experiência acumulada pelo Cade, uma novidade da reforma foi duramente criticada: a exigência de que, para celebrar o TCC, o investigado deveria reconhecer sua responsabilidade na infração e colaborar com o prosseguimento da investigação em relação aos demais envolvidos, ainda que sem a garantia expressa de imunidade penal ao colaborador.
Acusou-se o Cade de criar um péssimo acordo para os investigados e de violar a Constituição, por supostamente prever obrigação não definida em lei. Afirmou-se ainda que a reforma reduziria os benefícios do TCC, o que o relegaria à condição de "instrumento periférico do sistema de defesa da concorrência".
Passado pouco mais de dois anos da implementação da reforma, a política de acordos do Cade demonstra vertiginoso crescimento, cujo ato mais recente foi a homologação, em 19 de agosto, de TCC com a construtora Camargo Corrêa e dois de seus ex-funcionários, em procedimento que apura a ocorrência de cartel no setor de óleo e gás em licitações realizadas pela Petrobras.
Pelo termo de compromisso, a Camargo Corrêa e seus ex-funcionários, além de se comprometerem a pagar a contribuição pecuniária de R$ 104 milhões, também reconheceram sua participação na conduta e passaram a colaborar com a investigação, trazendo evidências relevantes para a apuração dos fatos.
Desde a aprovação da reforma, já foram celebrados mais de 50 termos de compromisso em investigações de cartéis, levando ao pagamento de contribuições pecuniárias de aproximadamente R$ 350 milhões, número muito superior aos verificados nos seis anos a ela anteriores.
Nessa nova fase, os TCCs deixam de representar uma alternativa de encerramento do processo para se tornar elemento central na estratégia de combate a cartéis. Situação semelhante é experimentada apenas por jurisdições em que a política de repressão a trustes é consolidada, como nos EUA e na União Europeia.
A reforma da política de TCCs do Cade demonstra como acordos podem ser úteis no combate a infrações, quando bem regulamentados e realizados num ambiente de confiança, em que os incentivos para as partes estão bem alinhados e as regras para negociação são claras.
Com efeito, o sucesso da política de acordos do Cade só pôde ser atingido pela compreensão, por parte das autoridades públicas e dos profissionais militantes no direito da concorrência, dos diversos benefícios oriundos da adoção de soluções de compromisso, sentidos na aceleração do fim da investigação e na redução dos altíssimos custos associados à judicialização.
O sucesso da política de acordos do Cade é motivo de orgulho do seu corpo técnico, há muito identificado pela excelência, e também da comunidade empresarial e advocatícia, que tem reconhecido as vantagens da construção de uma política séria e organizada de soluções negociadas na esfera antitruste.