Escândalo na Petrobrás
Delator põe cavalos à venda após multa de R$ 40 milhões
Júlio Camargo, diretor da Toyo Setal, é um dos maiores criadores de bichos de competição; 130 serão leiloados
Propriedade rural fica em Bagé, no interior gaúcho, área propícia aos puro-sangue; ele ia ao local de jatinho
Pura Classe, Qualidade Máxima, Que Buena e Nota Dez estão à venda. As éguas são parte da tropa do haras Old Friends, em Bagé (RS), cujo dono é o executivo da Toyo Setal Júlio Camargo --um dos delatores da Operação Lava Jato. Ele admitiu fazer parte do esquema de pagamentos de propina à Petrobras e pagará multa de R$ 40 milhões.
Em um leilão marcado para os dias 11 e 12 de dezembro, todo o plantel que compõe a criação de Camargo, com 80 éguas e 50 potros, poderá ser arrematado. Será possível fazer lances por telefone, já que dois canais de televisão especializados transmitirão o evento em tempo real.
O executivo é sócio de três empresas --Auguri, Piemonte e Treviso--, que foram usadas para repassar propina a diretores da Petrobras e ao doleiro Alberto Youssef.
Em seus depoimentos, Camargo delatou o ex-diretor de Serviços e Engenharia Renato Duque e o lobista Fernando Baiano, que seria o operador do PMDB no esquema. Ele também citou o ex-diretor de Internacional Nestor Cerveró, que manteria relação próxima com o lobista Baiano.
LEILÃO
Apesar de ter admitido fazer parte do esquema, inclusive mencionando valores e concordando em pagar a multa, Camargo não teve bens bloqueados pela Justiça, o que possibilita que ele realize o leilão de seus animais. Ele também não teve prisão decretada, ao contrário de Duque e Fernando Baiano.
A fim de confirmar que o dinheiro do leilão servirá para pagar ao menos parte da multa, a Folha entrou em contato com o escritório da advogada Beatriz Catta Preta, que representa o executivo, mas não obteve resposta a um pedido de entrevista.
Fundado em 1994, o Old Friends é um dos principais haras criadores de cavalos de competição --uma paixão que o executivo cultiva desde 1992, quando adquiriu seu primeiro animal.
"Para o circuito de corrida, é muito ruim a saída dele", diz um frequentador do Jockey Club paulista, do qual Camargo foi presidente interino, em 2002, e diretor.
Não foram estipulados lances mínimos para os animais. "Em leilão é impossível saber quanto vamos tirar, não dá nem para estimar", afirma o veterinário José Antônio Flores, administrador do haras e criador dos cavalos.
SAI DE BAIXO
A excelência dos potros e potrancas nascidos no local ficou evidente neste mês, quando a égua Sai de Baixo bateu o recorde na prova dos 1.000 metros na grama do Jockey Club de São Paulo. A marca anterior era de 2006.
Ela e outros competidores --os bichos mais valiosos provenientes da criação de Camargo--, que ficam alojados na cidade natal do empresário, Campinas (a 93 km de São Paulo), sob os cuidados de um treinador, não serão submetidos a lances no pregão.
Após o evento, em dezembro, a propriedade rural no interior gaúcho que abrigava os animais também deve ser posta à venda, uma vez que a única finalidade do local era a criação dos animais.
Júlio Camargo, que mora em uma casa no Morumbi (zona oeste paulistana), não terá mais motivos para viajar à cidade. Ele e a família costumavam viajar de jatinho ao município, próximo à fronteira do Brasil com o Uruguai.
No aeroporto internacional de Bagé, segundo um funcionário do local, ele costumava pousar com dois modelos de aeronaves, um Cessna 560XL, que tem nove lugares, e um Embraer Legacy, que a depender da configuração abriga de 12 a 15 passageiros.
Dali ia direto ao haras Old Friends, localizado na mesma rodovia à margem do aeródromo, a BR-153. Pelo clima semelhante ao europeu e a topografia dos pampas, a região é reconhecida como um bom local para a criação de cavalos puro-sangue. Há diversas propriedades com essa finalidade na área.
DE PAI PARA FILHO
A afeição por bichos passou de geração em geração na família do executivo. O pai de Júlio, Hélio Ferraz de Almeida Camargo, morto em 2006, foi biólogo do Museu de Zoologia da USP desde os anos 1940 e tornou-se um dos maiores estudiosos de aves do Brasil, tendo catalogado diversas espécies do país.
Já o filho do empresário, Júlio Belardi de Almeida Camargo --conhecido como Julinho--, também frequenta os páreos de cavalos no Jockey Club paulista e é sócio do pai no haras Old Friends, de acordo com documento da Junta Comercial de São Paulo.