Perícia é concluída sem achar provas para tese de que Jango foi envenenado
Peritos não encontram vestígios de substâncias tóxicas em restos mortais do presidente deposto
Familiares acreditam em relatos de ex-agente uruguaio que acusou ditaduras de conspirar para matar Goulart
Após mais de um ano de investigações, uma equipe de peritos coordenada pela Polícia Federal encerrou seu trabalho sem encontrar indícios de que o presidente João Goulart (1919-76), o Jango, tenha sido envenenado.
Ainda assim, essa hipótese não foi afastada em definitivo, visto que a passagem do tempo pode ter apagado vestígios de substâncias tóxicas, afirmou a PF nesta segunda-feira (1) ao anunciar os resultados do trabalho pericial.
Os especialistas analisaram laudos produzidos por laboratórios estrangeiros que examinaram os restos mortais do presidente, que foi deposto pelo golpe que deu início à ditadura militar (1964-85).
As conclusões, consensuais entre os peritos, configuram o mais importante passo para averiguar as suspeitas de que Jango foi assassinado a mando da ditadura, em seu exílio na Argentina.
Em sua certidão de óbito, a causa da morte foi descrita em espanhol como "enfermedad" (doença). O ex-presidente era cardiopata, e inicialmente acreditou-se que ele morrera de infarte, mas não houve autópsia na época.
Muitos anos depois, os relatos de um ex-agente do serviço de inteligência uruguaio, Mario Neira Barreiro, que foi preso no Brasil por roubo e porte ilegal de armas, alimentaram a teoria de homicídio.
Barreiro afirmou que, autorizada pelo então presidente Ernesto Geisel e apoiada ela agência de inteligência dos EUA, a CIA, a morte de Jango foi executada pela Operação Condor, que coordenava ações conjuntas de ditaduras do Cone Sul para monitorar e assassinar opositores.
Jango teria sido envenenado com cápsulas que agentes teriam misturado com remédios para o coração, afirmou Barreiro. A família do presidente há anos insiste na possibilidade de assassinato e pediu ao Ministério Público Federal, à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e à Comissão Nacional da Verdade para que ela fosse investigada.
Esses pedidos foram o ponto inicial do trabalho cujo resultado foi anunciado ontem.
Após uma extensa pesquisa com familiares e em registros médicos da saúde de Jango, os peritos exumaram o corpo em novembro de 2013.
Após determinar que o caixão do presidente não fora violado, a equipe fez testes de DNA para ter certeza de que os restos mortais de fato pertenciam a Jango e testou, em laboratórios de Portugal e na Espanha, se havia no esquife ou nos restos mortais resquícios relevantes de substâncias suspeitas.
Os peritos pesquisaram a presença de aproximadamente 700 mil dessas substâncias, e concluíram que é impossível apontar qualquer delas como determinante na morte do presidente.
Isso não significa que Jango não foi de fato envenenado, e sim que essa possibilidade não pode ser confirmada pelo material analisado.
Familiares do presidente dizem que o resultado não encerra as investigações ainda em aberto no Ministério Público Federal e na Argentina.
Apesar do resultado da perícia, as apurações podem avançar em outras frentes, com a busca de provas testemunhais do suposto assassinato. "Vamos continuar lutando", afirmou João Vicente Goulart, filho de Jango.