Petrolão
Juiz da Lava Jato sugere prisão de réus já após 1ª condenação
Em artigo, Moro propõe alterar lei para que recursos não impeçam execução da pena
Advogados dizem que ideia é inconstitucional e corporativista, porque busca aumentar poder de juízes da 1ª instância
Personagem central da Operação Lava Jato, que investiga escândalo de corrupção na Petrobras, o juiz Sergio Moro defende mudança na lei para que réus condenados por "crimes graves", como lavagem e desvio de dinheiro público, aguardem na prisão o julgamento de recursos.
A tese foi apresentada em artigo deste domingo (29) no jornal "O Estado de S. Paulo". Moro assina o texto com o presidente da Ajufe (Associação de Juízes Federais), Antônio Cesar Bochenek, e diz que a entidade vai levar ao Congresso projeto que propõe a mudança.
O magistrado inicia o artigo apresentando a Lava Jato como "o maior escândalo criminal já descoberto no Brasil", por colocar em "suspeição" agentes e partidos políticos. O impacto da operação é usado para justificar a tese que só se chegou a este nível de "deterioração" porque a Justiça "não tem sido suficientemente eficiente".
Hoje, pelo princípio da presunção de inocência, a regra é que réus condenados em primeiro julgamento aguardem as decisões sobre recursos em liberdade.
Moro e Bochenek dizem que a proposta não contraria o princípio. A prisão se tornaria a regra, mas a possibilidade de réus já condenados esperarem soltos continuaria a existir, segundo o artigo.
"Não se ignora, por evidente, a possibilidade de erro do judiciário e de eventual reforma do julgado, motivo pelo qual se propõe igualmente que as cortes recursais possam, como exceção, suspender a eficácia da condenação criminal quando presente, por exemplo, plausibilidade do recurso", dizem os juízes.
Cinco defensores de réus julgados na Lava Jato ouvidos pela Folha argumentam que a proposta é inconstitucional.
"Estão aproveitando o clima do país para mexer em coisas que afetam a todos", diz Fábio Tofic Simantob, advogado de executivos da Engevix acusados na operação.
"No nosso sistema constitucional, a prisão é exceção, não regra", afirma o advogado Pierpaolo Cruz Bottini, que atua na defesa do delator e presidente da Camargo Corrêa, Dalton Avancini.
"O legislador [da Constituição] de 1988, depois de sair de uma ditadura, consagrou a presunção de inocência", continua. "Ele [Moro] prefere um inocente preso do que um culpado solto", conclui.
Advogado do lobista Fernando Baiano --apontado como operador do PMDB--, Mário Oliveira Filho afirma que o artigo "é mais um argumento para defender que esse juiz [Moro] está contaminado".
Para Moro e Bochenek, a ineficiência da Justiça fica evidente na "perpetuação na vida pública de agentes que sucedem" em escândalos. "Não deveria ser tão difícil condená-los ao ostracismo", afirmam. "É necessário um choque para que os bons exemplos não fiquem dependentes da voluntariedade e das circunstâncias", dizem.
Tofic, defensor da Engevix, acredita que eficiência é um método incorreto para avaliar a Justiça. "Se o direito penal for trabalhar com efetividade, é só suspender todos os direitos", diz o advogado.
Ele avalia que o pedido da Ajufe busca aumentar poderes dos juízes de primeira instância. "É atuação corporativista, que não pode vir em detrimento dos direitos fundamentais. [A proposta] acabaria com o sistema recursal."
Os juízes argumentam que, ao deixar soltos réus condenados à espera de novo julgamento, a lei torna-se falha. "O problema da legislação atual é o de supor como geral o erro judiciário e, como consequência, retirar toda a eficácia da sentença judicial", escrevem Moro e Bochenek.
Eles comentam, nos últimos parágrafos do artigo, por que decidiram defender a mudança na legislação agora.
"O Brasil vive momento peculiar. A crise do escândalo criminal [na Petrobras] assusta. Traz insegurança e ansiedade. Mas ela também oferece a oportunidade de mudança e de superação", afirmam.
"Se a crise nos ensina algo, é que ou mudamos de verdade nosso sistema de justiça criminal, para romper com a sua crônica ineficiência, ou afundaremos cada vez mais em esquemas criminosos, que prejudicam a economia, corrompem a democracia e nos envergonham como país", concluem os juízes.