Guerrilheira que escapou da Casa da Morte morre aos 72
Inês Etienne Romeu revelou à Comissão da Verdade local usado para tortura
Estima-se que 20 pessoas tenham sido mortas pelo regime militar em local na região serrana do Rio
A ex-integrante de grupos guerrilheiros durante a ditadura militar (1964-1985) Inês Etienne Romeu, 72, morreu na manhã desta segunda-feira (27), em Niterói, na região metropolitana do Rio.
Ela foi a única pessoa a ser libertada da chamada Casa da Morte, residência usada como local de tortura pelos militares na cidade de Petrópolis, região serrana do Rio.
Em seus relatos sobre o período, Inês Etienne contou que seis pessoas teriam sido assassinadas em Petrópolis. Calcula-se que outras 14 pessoas tenham passado pelo local na região serrana.
"A Inês foi uma peça-chave da Comissão Nacional da Verdade porque, como única sobrevivente, levou à localização da Casa da Morte", afirmou Pedro Dallari, que coordenou a comissão.
"Ela já estava bastante doente. É um fato muito lamentável", disse Dallari.
A Comissão Estadual da Verdade do Rio pede que o Estado homenageie Inês Etienne transformando a Casa da Morte em um espaço de memória para discussões sobre direitos humanos.
De acordo com parentes, a ex-guerrilheira morreu enquanto dormia. A família de Inês Etienne espera a chegada de parentes que vêm de Minas Gerais para definir local e hora do sepultamento.
ASA DA MORTE
Em 5 de maio de 1971, há quase 44 anos, Inês integrava a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) quando foi presa na rua Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury, que comandava o Dops (Departamento de Ordem Política e Social).
Levada à delegacia, a guerrilheira foi torturada antes de ser levada ao Rio. No Estado, foi transferida para a Casa da Morte, em Petrópolis.
Os torturadores a liberaram acreditando que depois de três meses de tortura e cativeiro na Casa da Morte, ela não participaria mais da luta armada e até passaria a colaborar com o regime militar.
A revelação foi feita pelo tenente-coronel Paulo Malhães, morto em 2014.
"Claro que a gente dava sustos, e o susto era sempre a morte. A casa era para isso", disse Malhães sobre a casa, em entrevista de 2012.
Após deixar a Casa da Morte, Inês Etienne viveu na condição de foragida até ser presa novamente, sendo libertada em 1979.
CONTRIBUIÇÃO à CNV
A guerrilheira não pôde depor à Comissão Nacional da Verdade (CNV) por conta de um problema na fala causado por uma agressão sofrida durante uma invasão à sua casa, em Niterói.
Mesmo assim, ela reconheceu seis homens, entre militares e policiais, que atuaram como torturadores da casa. Todo o reconhecimento foi feito com base em fotografias apresentadas pelos integrantes da comissão.
Dos identificados, cinco ainda estão vivos. O único morto é Freddie Perdigão Pereira, apontado como um dos mais cruéis torturadores do regime militar.
A coincidência é que quatro integrantes do grupo foram lotados no gabinete do então ministro da Guerra, Orlando Geisel, irmão do ex-presidente Ernesto Geisel.
No encontro com a CNV, Inês Etienne foi aplaudida de pé e ouviu a irmã ler uma carta às pessoas presentes no auditório do Arquivo Nacional.
"Sua missão é de heroísmo. Você não tem mais o que temer. Você venceu", disse a irmã, Celina Romeu, a Inês após a leitura.