Questões de ordem
MARCELO COELHO ccoelhofsp@uol.com.br
Artes da sobrevivência
Qualquer tema rendia frases comportadas de Luiz Fachin, mas nenhum compromisso real
Foram quase duas horas de preliminares e questões regimentais antes que o jurista Luiz Edson Fachin, indicado por Dilma Rousseff para o lugar de Joaquim Barbosa no STF, começasse a falar na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
A essa altura, por volta do meio-dia de ontem, o clima da sabatina já estava decidido. A oposição ao governo, representada tenazmente por Ronaldo Caiado (DEM-GO), tinha tentado adiar o questionamento de Fachin, perdendo por 19 votos a 7.
Com apoio de Aloysio Nunes (PSDB-SP) e de Ricardo Ferraço (PMDB-ES), Caiado levantou uma das principais dúvidas sobre a indicação. Como dizer que Fachin tinha conduta "ilibada", como exige a Constituição, se ele acumulara o cargo de procurador do Estado do Paraná com o exercício da advocacia particular? Seria isso permitido? Dois pareceres da assessoria do Senado examinaram a questão e eram contraditórios.
Melhor, defendeu Caiado, fazer primeiro uma audiência pública em torno dos dois pareceres e depois marcar nova data para a sabatina. A discussão foi longa e só se resolveu com a votação nominal dos 26 membros da CCJ. Viu-se então que menos de um terço deles apoiava a tese do ruralista.
Entra, portanto, Fachin em cena --e seu discurso inicial, com pausas emocionadas e citação ao papa Francisco, não tocou nesse assunto. Ele estava preocupado, antes de tudo, em diminuir a aura de esquerdismo que cercava seu nome.
Lembrando a infância pobre, e sua condição de "sobrevivente", o candidato ao STF falou de eventuais erros ao "superlativizar", no passado, a legitimidade das lutas sociais.
Posicionamentos simpáticos ao MST e teorizações sobre os limites do direito à propriedade fundiária tinham de ser amenizados agora; o jurista lembrou Max Weber, dizendo estar agora sob a égide da "ética da responsabilidade" e não (não mais?) da "ética da convicção". Há diferença entre o cidadão e o magistrado, prosseguiu; entre quem discute a lei e quem a aplica.
Sendo tucano, mas falando como paranaense, Alvaro Dias fez longo discurso de apoio ao professor da universidade federal de seu Estado. Se Fachin apoiou a candidatura de Dilma Rousseff em 2010, também apoiara Mario Covas na campanha de 1989. Não seria, portanto, um petista de carteirinha. De resto, como lembrou outro senador, o ex-ministro Carlos Ayres Britto, antes de ir para o Supremo, chegara a ser candidato a deputado pelo PT.
Apesar de novas insistências de Ronaldo Caiado --que estendeu por quase meia hora a sua inquirição, fingindo nem ouvir os pedidos de que obedecesse o prazo concedido--, a sabatina foi se suavizando pouco a pouco.
Insuspeito de "progressismo", o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) deu exemplos de gentileza. Qual a opinião de Fachin, por exemplo, sobre a maioridade penal? Seria cláusula pétrea da Constituição? O candidato não desagradou Crivella; foi evasivo nesse tema, estendendo-se sobre a formação cristã que ambos tinham em comum.
Houve tempo, ainda, para a célebre questão da "poligamia": seria o futuro ministro defensor de concepções tão amplas do que seja a unidade familiar? Fachin respondeu falando de seus muitos anos de monogamia. Crivella elogiou seu comportamento conjugal.
Qualquer tema --do caso Battisti ao financiamento das campanhas eleitorais-- rendia frases comportadas, mas nenhum compromisso real da parte do indicado. O que era para ser um embate entre governo e oposição não se verificou; muito menos houve uma sabatina em torno da ideologia ou das convicções específicas de Fachin.
A menos que ele radicalizasse o jogo, ou cometesse alguma gafe gigantesca, sua aprovação estava bem menos ameaçada do que se acreditava durante os últimos dias.