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Com Moro na banca, delegado da Lava Jato vira doutor na USP
Alvo de ataques dos advogados de empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato, o delegado da Polícia Federal Márcio Anselmo experimentou nesta terça (19) outro tipo de crítica: a de professores que analisaram sua tese de doutoramento, sobre normas internacionais no combate à lavagem de dinheiro, na Faculdade de Direito da USP.
"Não posso deixar de lamentar a maneira apressada e descuidada com que o trabalho foi concluído", disse o professor de direito penal da USP Sergio Shecaira, que fez parte da banca examinadora.
"Não há análise crítica da lavagem. É uma descrição fotográfica", reclamou Ana Elisa Bechara, outra professora da USP. A mesma crítica foi feita por Maíra Machado, professora da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas.
O juiz federal Sergio Moro, que conduz os processos da Lava Jato em Curitiba, dá aulas na Universidade Federal do Paraná e examinou a tese, reclamou que Anselmo citava o uso de tratados internacionais no julgamento do mensalão, mas não reproduzia as decisões do processo.
Após quatro horas e meia de questionamento duro, como é comum em defesas de tese, Anselmo foi aprovado, e a Lava Jato ganhou seu doutor.
Anselmo foi o delegado que deu início à Operação Lava Jato, em 2012. Sua tese de mestrado, sobre lavagem de dinheiro e cooperação jurídica internacional, foi publicada pela editora Saraiva.
A tese de doutorado discute se o Gafi (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro), organismo internacional criado em 1989, tornou mais efetivo o combate a esse crime. Anselmo disse que sim, com ressalvas.
Os integrantes da banca discordaram de sua conclusão. Moro, por exemplo, sugeriu que o órgão é omisso ao ignorar muitos paraísos fiscais, locais onde é possível esconder dinheiro sujo sem que as autoridades internacionais identifiquem o dono.
"Eu imaginava que essa lista [de países] fosse bem maior", afirmou o juiz. Segundo Moro, o tratamento do Gafi aos paraísos fiscais lembra o modo como o Brasil proibiu o tráfico negreiro no século 19 --só "para inglês ver", como disse. O delegado concordou que o Gafi tem sido omisso.
Ana Elisa reclamou da dedicatória da tese do delegado ("Aos heróis anônimos da Operação Lava Jato"), dizendo que ela minava a "cientificidade" do trabalho ao introduzir nele uma "carga emocional", e sugeriu sua supressão. Anselmo agradeceu a sugestão, mas disse preferir manter a homenagem.