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Lobby, ação da oposição e emendas que fogem do tema inundam medida do governo
Quem acompanhou o processo de votação da recém-apreciada medida provisória 664 na Câmara dos Deputados, norma que endureceu as regras de acesso à pensão, pode ter se surpreendido com o aparente enorme interesse dos parlamentares em contribuir com a redação da MP. Foram 517 emendas propostas para alterar o texto original.
O grande número de sugestões, porém, talvez fale mais sobre os vícios e os instintos de sobrevivência na Casa que sobre as afeições dos deputados ao tema em si.
Uma análise detida sobre o conteúdo das 517 sugestões mostra que o grosso do montante é resultado de lobby de entidades, dezenas de sugestões repetidas, manobras da oposição para retardar os trabalhos e até mesmo contrabandos, expressão usada para designar tentativas de emplacar regras que nada têm a ver com o tema inicial.
É comum que uma ideia defendida por uma entidade seja encampada por vários congressistas. No caso da MP 664, uma associação conseguiu a formulação de nove propostas para garantir pensão integral e vitalícia aos cônjuges de policiais federais.
"Se o deputado acha que o pedido é justo, apresenta", diz Jorge Oliveira, chefe de gabinete de Eduardo Bolsonaro (PSC-SP), "autor" de uma dessas emendas, que acabaram rejeitadas. Para Oliveira, o prazo curto para fazer sugestões-- seis dias após a publicação da medida no "Diário Oficial"-- inviabiliza a elaboração de um projeto comum entre vários deputados.
As tentativas de contrabando foram variadas. Servidores federais conseguiram que deputados apresentassem 14 propostas para dar à categoria o direito a licença remunerada para exercer mandato sindical.
Já empresas de transporte tentaram aproveitar a MP das pensões para mudar a regra para contratação de deficientes. Alguém queria alterar a tabela do Imposto de Renda. E teve deputado que viu uma oportunidade para regular o mercado de órteses e próteses
Caracterizados como contrabando, esses temas nem foram apreciados.
Mesmo sabendo a inviabilidade da aprovação, parlamentares costumam apresentar emendas que fogem do mérito do assunto principal para agradar a base eleitoral.
OBSTRUÇÃO
A oposição também costua ser muito ativa na apresentação de sugestões. Mas com outra intenção: obstruir projetos do governo.
Autor de 14 emenda, o líder do DEM, Mendonça Filho (PE), diz que seu objetivo era só alongar a discussão das propostas do Planalto.
"Dou o norte para os assessores pensarem no máximo de emendas para atrasar e até mesmo obstruir o trâmite da MP", admite. No final, ele retirou as propostas para evitar "uso político" e tentativas de negociação de governistas.
Para Paulinho da Força (SD-SP), que teve algumas emendas idênticas às de colegas, a intenção era impedir a mudança na lei. Porém, a aprovação de uma emenda defendida por Paulinho fez com que ele passasse a ser favorável à medida provisória
Campeão de apresentação de emendas à MP, com 36 propostas, Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) foi o autor da única que realmente fez diferença: a da fórmula 85/95, aprovada contra a vontade do governo.
A emenda garante aposentadoria integral quando a soma da idade com o tempo de contribuição der 85 para a mulher e 95 para o homem.
O petebista afirma que não segue estratégia de apresentar muitas emendas só para fazer volume. Fez 36, diz, porque previdência é sua área de atuação.