Projeto pode vetar repasses de partidos para candidatos
Emenda determina que políticos só podem receber de pessoas físicas
Proposta votada às pressas por deputados abre margem para interpretação que compromete campanhas
Redigido em poucas horas e aprovado sob críticas, o projeto de emenda à Constituição gestado para garantir que as empresas possam continuar financiando as campanhas políticas já sofre questionamento na Justiça e, se entrar em vigor com o texto atual, pode ter efeito diverso do que querem os deputados.
A medida foi aprovada pelo plenário da Câmara na quarta-feira (27), menos de 24 horas depois de proposta semelhante ter sido rejeitada pelo mesmo plenário.
A reprovação da terça (26) foi a uma redação patrocinada pelo PMDB que permitia a partidos e candidatos receberem doações privadas.
Pegos de surpresa pelo resultado, integrantes da cúpula da Câmara, liderados pelo presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ), montaram uma operação para virar votos e levar o tema novamente a votação, no dia seguinte.
O empresariado é hoje o principal responsável pelo financiamento privado das campanhas, que também recebem recursos públicos.
Cunha recorreu a uma manobra para votar a proposta pela segunda vez. Ele rompeu acordo de que o tema seria analisado apenas uma vez e argumentou que a nova votação seria em cima do texto original do relator, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Acusado de promover "golpe", Cunha fechou novo acordo para votar então um texto assinado pelo deputado Celso Russomanno (PRB-SP).
A nova proposta, escrita às pressas na quarta, era a mesma de Maia, que permitia às empresas e às pessoas físicas doar apenas para os partidos políticos, vedando de forma implícita a contribuição direta aos candidatos.
Para diferenciá-la, foi incluído o parágrafo: "É permitido aos candidatos receber doações de recursos financeiros ou de bens estimáveis em dinheiro de pessoas físicas".
O problema é que os partidos são pessoas jurídicas, o que leva integrantes da área técnica da Câmara, advogados eleitorais, ministros e ex-ministros do Tribunal Superior Eleitoral ouvidos pela Folha a levantar a possibilidade de que, aprovado definitivamente esse texto, os candidatos não possam receber o dinheiro doado aos partidos.
A proposta ainda precisa passar por uma segunda votação na Câmara, quando o parágrafo pode ser facilmente suprimido, como já avaliam nos bastidores defensores da medida.
O líder do DEM, Mendonça Filho (PE), discorda da avaliação de que a proposta pode ter efeito inverso.
"A proibição só vale se ela tiver expressa na lei. O PT e esses críticos do financiamento privado não aceitam a posição adotada pelo Congresso, querem ganhar no grito. A sociedade apoia o financiamento privado em comparação com o financiamento público", afirma.
A aprovação da proposta pela Câmara tem objetivo de impedir o STF (Supremo Tribunal Federal) de proibir o financiamento privado. A corte tem maioria formada nesse sentido, mas o julgamento está suspenso desde o ano passado por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
Além disso, parlamentares de vários partidos recorreram ao STF contra a votação articulada por Cunha.
MUDANÇAS
A reforma política patrocinada pelo presidente da Câmara aprovou até agora o fim da reeleição, a constitucionalização do financiamento privado e uma cláusula de barreira branda para partidos nanicos. Foi mantida regra que permite coligações em eleições proporcionais.
Todas as alterações dependem de segunda votação na Câmara e análise do Senado.
Ainda está na fila para primeira votação, entre outros pontos, a ampliação do tempo de mandato de quatro para cinco anos.
Mas há dúvida sobre o que fazer com o Senado, cujos integrantes têm mandato de oito anos. Há quem defenda redução para cinco anos, mas também quem apoie a ampliação para dez.
Também precisa ser apreciada a medida que unifica as eleições de quatro em quatro ou de cinco em cinco anos.
A votação desses pontos será retomada somente na segunda quinzena deste mês.