Entrevista - Frei Betto
No íntimo, eu temo que a presidente Dilma renuncie
Amigo da petista, o frei dominicano diz que não sabe se ela aguenta governar mais três anos e meio com tanta rejeição
Amigo da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula, de quem foi assessor especial, Carlos Alberto Libânio Christo, o frei Betto, diz temer pela renúncia da petista, que hoje tem 71% de reprovação.
"A minha pergunta íntima hoje não é o impeachment [...] É se a Dilma, pessoalmente, aguenta três anos pela frente", afirma ele. "Ou ela dá uma mudança de rota [...] ou ela pega a caneta e fala 'vou pra casa, não dou conta'."
Embora avalie o período petista como "o melhor da história republicana", ele faz severas críticas ao partido –"trocou um projeto de Brasil por um projeto de poder"– e uma distinção especial ao atual mandato de Dilma: "Eu não sei o que de positivo a Dilma fez de janeiro para cá".
Com reparos, elogia a Lava Jato, "extremamente positiva", e diz que se sentiu "indignado" com a notícia de que o ex-ministro José Dirceu faturou R$ 39 milhões enquanto promovia uma vaquinha para pagar a multa do mensalão.
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Folha - Dia 16 deve haver outra manifestação pelo impeachment de Dilma. O que acha?
Frei Betto - Acho que manifestação é sinal da democracia. A esquerda deveria aprender com a direita algumas das poucas coisas boas que a direita faz, como convocar manifestações para domingo, não para dia de semana [um outro ato, com apoio do PT, deve ocorrer no dia 20, quinta]. Dia de semana? Uma burrice. Atrapalhando o trânsito, como na música do Chico. Faz no domingo, não tem escola, as pessoas podem ir.
E o impeachment?
A minha pergunta íntima, hoje, não é o impeachment. Acho que a democracia brasileira está consolidada, não há motivo para impeachment. A minha pergunta é outra. É se a Dilma, pessoalmente, aguenta três anos pela frente. Eu temo que ela renuncie.
O sr. tem algum sinal disso?
Não. É puramente subjetivo. Mas temo que ela renuncie. Ou tem uma mudança de rota ou eu me pergunto se ela vai aguentar o baque psicológico de três anos e meio pela frente com menos de 10% de aprovação, 71% dizendo que o governo é ruim ou péssimo. Isso é um sinal de que você não está agradando nada. Não adianta fazer cara de paisagem. Ou ela dá uma mudança de rota, muda a receita do ajuste, ou pega a caneta e fala "vou pra casa, não dou conta". Eu tenho esse temor.
Um relato do jornal "Valor", anos atrás, dizia que no auge da crise do mensalão, em 2005, a ministra Dilma teria sugerido ao Lula que renunciasse.
Eu não acredito nisso. Lula saiu com 87% de aprovação.
Depois, né? Naquele instante, quando Duda Mendonça foi à CPI dizer que tinha recebido no exterior do caixa dois do PT, ninguém imaginava que Lula iria se recuperar tanto.
É... Se isso é verdade [a sugestão para Lula renunciar], reforça o meu receio.
Nesse cenário, que combina crise política e econômica, denúncias de corrupção e baixa popularidade da presidente, o que mais atormenta o sr.?
O Brasil está vivendo uma notória insatisfação, não só com o governo. Insatisfação com a falta de utopias, perspectivas, ideologias libertárias. Vem desde 2013, daquela grande manifestação atípica; sem partido, liderança ou discurso. Havia protesto, mas não havia proposta, o que chamou a minha atenção. E quando –isso é até terapêutico– a gente entra em amargura, não vê saída, a gente não consegue equacionar racionalmente. Não consegue buscar as causas e as perspectivas. Fica tudo no emocional. Hoje, o debate é emocional. É como briga de casal em que o amor acabou.
E o governo?
O governo, que considero o melhor de nossa história republicana, os dois do Lula e o primeiro da Dilma, teve grandes méritos, como a inclusão de 45 milhões; e grandes equívocos, como a não inclusão política. Ao contrário do que fez a Europa no começo do século 20, o governo do PT propiciou, ao conjunto da população, acesso aos bens pessoais, quando deveria ter iniciado pelos bens sociais. A metáfora é a do barraco da favela. A família tem computador, celular, toda a linha branca e até um carrinho. Mas está na favela. Sem saneamento, transporte, saúde, educação e sem segurança. Resultado: criou-se uma nação de consumistas, não de cidadãos.
O sr. citou dois mandatos do Lula e o primeiro da Dilma. E o segundo da Dilma?
Esse segundo, até agora, eu não tenho nenhuma notícia boa para dar. Não sei o que de positivo a Dilma fez de janeiro para cá. Gostaria que alguém dissesse. O ajuste é necessário? Sim. Mas o ônus é só sobre o trabalhador. E fica a dúvida se vai dar certo. O país mantém a síndrome colonial de ser exportador de matéria-prima. O governo terceirizou a política para a troica do PMDB, Temer, Cunha e Renan. E a economia nas mãos de Joaquim Levy, notoriamente um eleitor do Aécio. Realmente fica difícil de acreditar que é um projeto do PT.
Por que o PT preferiu promover o consumo, não o social?
O PT perdeu o horizonte que tinha em seus documentos originários, de transformação.
Em que instante perdeu?
No momento em que chegou ao poder. Foi quando trocou um projeto de Brasil por um projeto de poder. Manter-se no poder passou a ser mais importante do que realizar as reformas necessárias para o país. Como a agrária, a tributária, a educacional, a sanitária. A única reforma que temos é a antirreforma política do Eduardo Cunha.
O partido teve medo?
Foi uma estratégia equivocada. "Vamos fazer aliança com quem tem poder, nós estamos no governo". Uma coisa é estar no governo, outra é estar no poder. Deu certo por um tempo. Agora, setores conservadores, vendo que não há proposta, que não há perspectiva histórica, resolveram avançar. É este o momento. Até o Lula foi vítima agora. Não de um atentado político. Isso, jogar uma bomba em um domicílio que está carregado de simbolismo político, é um atentado terrorista. Se tivesse acontecido no escritório do Bill Clinton (ex-presidente dos EUA), no dia seguinte o mundo estaria dizendo: "Bill Clinton sofre atentado terrorista".
Evidente que uma certa imprensa não quis dar destaque. Alguns chegaram a insinuar que o próprio PT teria feito a bomba para vitimizar Lula e o PT. Não se deu o devido destaque talvez porque não interessa. Só interessa que o Lula venha a aparecer como o acusado da Lava Jato.
Como o sr. enxerga o caso do ex-ministro José Dirceu?
Acho um abuso prender um preso. Ele estava preso, mandaram prender novamente. Não precisava. Aí transfere, Polícia Federal, TV. Acho isso um abuso de autoridade.
Embora eu ache a Lava Jato extremamente positiva –era preciso vir uma apuração da corrupção no Brasil séria como tem sido feita–, tem coisas que me desagradam. O partido mais envolvido é o PP. Mas parece, na opinião pública, que é só o PT. Segundo: por que é que vazam todos os conteúdos em relação ao PT e por que é que vazam exclusivamente para a revista "Veja"? É chamar a gente de idiota. Ou seja: há uma operação política por trás de abuso desse processo. Que é um processo sério de apuração da corrupção.
E o caso específico de Dirceu?
Eu nunca disse se houve ou se não houve mensalão. Estou esperando o PT se posicionar. E fico indignado pelo fato de o partido não se posicionar. E não se posicionar diante de uma figura tão importante do partido como ele [Dirceu]. Então não tenho meios de julgamento. Que eu sei que há corrupção na política, sei. Mas não tenho provas.
Um aspecto que chamou a atenção é que Dirceu faturou R$ 39 milhões com a sua consultoria, parte disso quando estava preso, mas que coincide também com aquela vaquinha para a multa do mensalão.
Pois é. Estou indignado. Se é verdade que ele tem tantos milhões na conta, não posso entender como é que ele promoveu a vaquinha. Aliás, tenho amigos que contribuíram com a vaquinha. Estão indignados, se sentem lesados.
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