Minha História
Irmã fabricada
Bebê gerada após seleção genética doa medula para a irmã mais velha e ajuda a curá-la
RESUMO Sem encontrar um doador de medula compatível com a filha doente, a professora Gerciani Cunha da Costa, 39, de Gravataí (região metropolitana de Porto Alegre), decidiu fazer uma fertilização in vitro com um embrião compatível e geneticamente selecionado. Antônia, 1, nasceu em 2013 para salvar Ana Luiza, 6, que recebeu a medula da irmã em outubro passado. Com medula nova, Ana Luiza se recupera da aplasia que foi descoberta no dia de seu aniversário de três anos, em 2011.
Descobrimos a doença da Ana Luiza numa consulta de rotina. Era aniversário de três anos dela, em 26 de setembro de 2011. A doutora notou uns hematomas. A Ana estava sempre muito bem, nunca tinha nem dor de garganta.
"Vamos pedir um hemograma", disse. A médica suspeitou de leucemia, mas não era. Só conseguimos o diagnóstico 44 dias depois, no quarto exame. Era aplasia, quando a medula para de funcionar e fabricar sangue.
De repente, tudo mudou. Ela recebia sangue e plaquetas direto. O sangue durava uns 20 dias, as plaquetas menos. Foram três anos assim.
A Ana chegou a fazer um tratamento para a medula voltar a trabalhar, mas não adiantou. Usava máscara, não podia pegar nada sujo, não podia comer qualquer coisa. Qualquer germezinho poderia ser fatal, se tinha uma febre precisava internar para evitar a morte. A Ana dizia: "Mas é bom lá [no hospital], né? A comidinha é tão boa". Ela nunca lamentou.
As primeiras coisas que fizemos foram os testes de compatibilidade de medula para doar, mas nem eu nem meu marido éramos compatíveis. O irmão também não.
O tempo ia passando e a gente ia vendo muitas crianças morrendo no hospital por leucemia. Muitas mesmo.
Em fevereiro de 2012, vi na TV do hospital o nascimento do primeiro bebê da América Latina geneticamente selecionado para salvar a irmã.
Consegui contato com o médico do caso, de São Paulo, que me encaminhou para a clínica do doutor Nilo Frantz, em Porto Alegre. O médico se comoveu com a história. "Tu estás conseguindo um aliado", ele me disse.
Tomei muito hormônio para fazer a fertilização in vitro, eu mesma aplicava a injeção em mim. A diferença para uma fertilização normal é que o embrião foi selecionado para ser compatível com a Ana.
Meu tratamento total custou R$ 70 mil. Tudo o que o médico podia fazer de mais barato pra mim ele fez. E todo o tratamento foi pago pelo SUS.
Na primeira coleta, tive muitos óvulos, mas só dez viraram embriões e nenhum deles era compatível. O médico chegou a chorar. A chance era de um a cada quatro.
Tentei de novo quinze dias depois. A gente corria contra o tempo, a Ana corria risco de vida. Na segunda vez, só cinco viraram embriões. Tinha dois compatíveis! Fiz a transferência [para o útero] no mesmo dia. Eram menores que a cabeça de um alfinete.
A gente queria fazer a coleta do sangue do cordão umbilical para o transplante das células-tronco. Mas com 31 semanas [de gestação] tive pré-eclampsia [hipertensão arterial específica da gravidez] e fui internada. Com 33 semanas, piorei, e aí o risco de morte era meu. Tivemos que fazer a cirurgia às pressas em 25 de junho de 2013.
A Antônia nasceu pequena, com 1,7 kg, e não deu para pegar as células do cordão. A expectativa então era coletar as células-tronco da medula quando ela tivesse 10 kg.
A coleta da medula da Antônia foi feita duas vezes. Ela doou e ficou superbem, não ficou com anemia. Tem tanta gente que tem medo de doar"¦ Vinte dias depois do transplante, soubemos que a medula "pegou", ou seja, passou a produzir suas células de maneira saudável.
Agora, a Ana tem dois aniversários: 26 de setembro e 29 de agosto, dia do transplante.
Até ela conseguir criar anticorpos demora um ano. Ela quer que esse dia chegue logo para poder ir à escola.
Em setembro vamos fechar quatro anos dessa luta. Nem acredito que conseguimos passar por isso.
Temos muito cuidado. Eu carrego álcool gel na bolsa, a Ana na mochilinha, em casa tem em tudo quanto é canto.
Agora a Antônia está com um ano e nove meses e aprendeu a chamar a irmã. Elas são muito próximas. É uma vida normal, mas dentro de casa.
A Ana está começando a ler. Ela queria muito aprender, para ler as mensagens de apoio que recebeu no Facebook, e eu fui ensinando no hospital.
Fiz magistério, matemática e especialização em psicopedagogia, mas nada é mais gratificante que alfabetizar a própria filha. Na verdade, ela me ensina muito mais do que eu posso ensinar a ela.