Entrevista - Lucia Bricks
Vacina 60% eficaz é o que temos para a dengue agora
Para diretora de laboratório francês, críticas à imunização são infundadas; produto deve estar disponível já em 2016
É possível que, em 2016, o Brasil tenha à disposição a primeira vacina contra a dengue. E ela deve ser do laboratório francês Sanofi Pasteur, que já finalizou os testes e submeteu o produto à análise da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Para Lucia Bricks, diretora médica da empresa na América Latina, a vacina vai ajudar a controlar a dengue, mas não é solução mágica nem erradicará a doença. "Ela vai ser útil ao lado de outras estratégias", afirmou.
Ela também respondeu às acusações feitas por Isaias Raw, do Butantan, e disse que a vacina não foi favorecida pela Anvisa e, por isso, estaria à frente do produto do concorrente. Sobre o fato de oferecer 60,8% de proteção, disse: "É o que temos neste momento".
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Folha - Há uma certa animosidade na corrida das vacinas contra a dengue. Isaias Raw, do Instituto Butantan, disse à Folha que a Sanofi teria sido beneficiada pela Anvisa e por isso está mais avançada. Como vocês reagiram a isso?
Lucia Bricks - Nós somos parceiros do Butantan, respeitamos o instituto, mas é preciso colocar os pingos nos "is" e esclarecer confusões que tenham sido geradas.
A Sanofi está há dez anos desenvolvendo esta vacina, que é a única com eficácia comprovada em estudos de fase 3 [último antes da aprovação], testada em mais de 40 mil pessoas em 15 países, incluindo o Brasil, e que submeteu à aprovação da Anvisa. Esperamos que a resposta saia até o fim do ano.
A vacina da Sanofi começou a ser desenvolvida antes da do Butantan?
Sim. A gente seguiu todos os passos corretamente e não teve benefícios. Tudo que é feito na Anvisa é registrado, ninguém passa por cima de ninguém. Somos muito sérios.
A Pasteur fez ainda o desenvolvimento industrial em paralelo com o clínico e construiu uma fábrica na França. Em 2016, já teremos cem milhões de doses da vacina.
Mas não existe um risco de a vacina não ser aprovada pelas agências reguladoras?
Sim, mas esse risco foi tomado em função da epidemia. Nosso estudo de fase 3 é muito consistente.
Quero que o Brasil seja o primeiro país a aprovar, mas a vacina também está sendo submetida em outros países. Se o Brasil não quiser, tem muito país que quer. Se não desse certo, tenho certeza que a Pasteur não desistiria. Mas pode escrever que já deu certo. É a maior evolução neste momento. Pode ser que daqui um ou dois anos venham outras, e serão bem-vindas.
A vacina da Pasteur vai contribuir. Primeiro porque é a única que está pronta. Vai ser oferecida para toda a população? Não, mas estará ao lado das demais estratégias. Não é solução magica nem vai erradicar a doença, mas vai beneficiar a população.
Outra crítica de Raw é que a vacina precisa de três doses e leva um ano para imunizar.
A necessidade das três doses não foi inventada. A gente teve que fazer uma série de estudos para ver qual seria uma melhor formulação e o intervalo entre as doses.
Várias vacinas para crianças, a vacina para HPV e hepatite B são dadas em três doses. As pessoas estão se apegando a isso, mas fazer uma vacina contra quatro vírus em uma dose só não dá.
O Butantan diz que uma dose só da vacina deles tem proteção de 90%, mas isso não deveria ser colocado dessa forma porque eles não fizeram estudo de eficácia.
A vacina de vocês mostrou 60,8% para qualquer tipo de dengue. Ok, é o maior resultado obtido, mas isso é pouco perto de outras vacinas, como a da febre amarela, que tem eficácia de mais de 90%.
É preciso contextualizar: 60% é muito ou pouco? Se tem 1 milhão de infectados, são 600 mil casos a menos.
A vacina também reduz em 95,5% os casos graves e em 80% as hospitalizações. É um impacto dramático. A vacina da gripe também não protege 100%, mas que impacto tem?
É o que temos na mão neste momento. Ninguém é louco de falar que não precisa mais combater o mosquito, mas isso não teve sucesso. Temos que fazer alguma coisa, e a única que vai poder contribuir num curto espaço de tempo é a vacina da Pasteur.
Para os sorotipos 1 e o 2, a vacina é menos eficaz. No México, onde circularam mais os tipos 1 e 2 durante o estudo, a eficácia foi de 31%. Em São Paulo, o que mais circula agora é o 1.
A circulação dos vírus é imprevisível. A vacina pode ter eficácia menor em um ano em que circulou mais sorotipo 1 ou 2, mas proteção maior quando circular o sorotipo 4. Não vale para um ano só.