Legalize já?
Brigas entre empresas reacendem debate sobre a dificuldade de se criar leis para cada inovação digital
WhatsApp x empresas de telefonia. Netflix x operadoras de TV. Uber x táxis. Airbnb x hotéis. Essas recentes grandes polêmicas entre serviços já estabelecidos e novos concorrentes digitais reacendem uma velha disputa: velocidade da tecnologia x velocidade da regulamentação.
Nesse descompasso, há sempre o risco de a lei sobre o aplicativo só sair depois que ele tiver morrido e sido substituído por algo novo.
Não costuma ser pequena a defasagem entre o tempo que se leva para criar um aplicativo –em geral, poucos meses–, e o necessário para aprovar uma lei que o regule, o que pode até durar anos.
"O processo legislativo é lento; somos um país com 26 Estados, um distrito federal e 5.570 municípios", diz o advogado tributarista André Mendes Moreira.
Justamente por isso, em sua opinião, o tempo de se criar regras para aplicativos pode vir a superar o ciclo de vida deles. "Se houver vontade política e pressão popular pode ser rápido. Mas quando falta um dos dois"¦ Projetos de lei tramitam há décadas no Congresso."
Um dos exemplos a evidenciar esse descompasso é um projeto que pretende estender a cobrança do ISS (Imposto Sobre Serviços) a serviços que oferecem áudio e vídeo pela internet, como o Netflix.
O texto foi apresentado em 2013, ano em que o serviço se consolidou no Brasil. Na época, ainda não havia a opção para mais de um usuário usar a mesma conta, e a empresa engatinhava na estratégia de lançar séries próprias, como "House of Cards".
Hoje, o Netflix faz sucesso a ponto de, nos EUA, romper com a distribuidora Epix, de filmes como "Jogos Vorazes", para dar mais espaço às suas criações. E o velho projeto do ISS segue em tramitação.
Outra proposta de lei, apresentada neste ano no Senado, diz respeito ao Uber. O projeto pretende flexibilizar a lei federal segundo a qual só pessoas que fizeram um curso específico –no caso, taxistas– podem realizar o transporte de passageiros.
Enquanto isso, legislativos municipais caminham no sentido contrário: projetos proibindo ou restringindo o app já foram aprovados por vereadores no Rio e em São Paulo, por exemplo.
A mesma discussão tem se aplicado a outros serviços, com diferentes desdobramentos. O Airbnb afirma estar disposto a trabalhar para "encontrar formas condizentes de taxação".
Em Paris, principal mercado do site, usuários vão passar a pagar uma taxa turística, como a cobrada por hotéis, a partir de outubro.
"A regulamentação deve existir para corrigir falhas do mercado", diz o advogado Ademir Pereira Jr., mestre em direito, ciência e tecnologia pela Universidade Stanford.
Para a advogada Ivana Crivelli, uma dessas falhas está no WhatsApp. "Não adianta fazer bonito com chapéu alheio. Se o WhatsApp pode oferecer um serviço gratuito, que faça sem se valer da estrutura de telefonia", critica.
Pereira Jr. discorda: "A internet é altamente competitiva. O consumidor pode escolher o serviço. Não se deve regulamentar por mera vontade dos agentes políticos".
André Mendes Moreira, autor do livro "A Tributação dos Serviços de Comunicação", propõe uma solução. "Por que não transferir parte do pagamento dos impostos que visam a melhoria das redes para o WhatsApp? A França negociou com o Google para que ele contribuísse com o desenvolvimento das telecomunicações", afirma.
A depender do ritmo atual do legislativo, no entanto, há que se ponderar se um novo app já não terá surgido até lá.