Livros de poesia avaliados pelo 'Guia' refletem sobre a solidão e linguagem
O Livro das Semelhanças
"Ainda há cinzas/ por dizer", escreve a poeta Ana Martins Marques num dos poemas de "O Livro das Semelhanças", seu terceiro livro. Esses versos parecem condensar a poética que atravessa as quatro partes desta reunião. Diante da impossibilidade do desgaste da palavra original na poesia, resta ao poeta o trabalho de escarafunchar as cinzas do lirismo, principalmente a partir de temas tradicionais como o amor, e quem sabe reavivar alguma chama perdida.
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O Livro das Semelhanças, por Ana Martins Marques |
E essa investigação da poeta, que gira em torno da linguagem, passa por camadas: a do próprio livro, enquanto lugar de criação possível de um mundo, uma espécie de duplo; a do mapa de invenções espaciais, que duplicam o mundo e tornam próximo o distante; o dos lugares-comuns da linguagem urbana; e, por fim, o da representação poética amorosa e seu jogo de semelhanças. Sua poética depende do "como", ou seja, dessas aproximações metafóricas da poesia, que criam dobras e duplos, e que procuram não mais a palavra original, mas, sim, reinventar as "palavras de segunda mão". (HEITOR FERRAZ MELLO)
AUTOR: Ana Martins Marques
EDITORA: Companhia das Letras
QUANTO R$ 33 (112 págs.) e R$ 22,90 (e-book)
AVALIAÇÃO: bom
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Vertigens
A profusão de imagens e referências nos poemas em prosa, ou na prosa poética, de Wilson Alves-Bezerra nos leva a uma ciranda vertiginosa em que a consciência parece tropeçar, voltando-se sobre si mesma e seus labirintos, abismos, incertezas. As imagens são tensionadas no limite da metáfora, na fronteira da descrição caótica, como se a linha do verso estivesse prestes a se romper.
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Vertigens, por Wilson Alves-Bezerra |
No prefácio, o poeta Claudio Willer afirma que "a permutação rege o funcionamento desta máquina lírica, produzindo um hipertexto". A violência, as loiras do shopping, o mito, o Líbano, Dante, Freud, o próprio idioma e tantos outros temas, pinçados do mundo e retorcidos por uma sintaxe da justaposição, compõem um painel opaco do tempo presente, feito de estilhaços e fantasmas.
Na tensão entre a prosa e o poema, a palavra engasgada confunde-se com as sombras que a rodeiam, o poeta se embrenha na floresta de signos, ciente da morte, e "embriagado rabisca".
(REYNALDO DAMAZIO)
AUTOR: Wilson Alves-Bezerra
EDITORA: Iluminuras
QUANTO: R$ 36 (72 págs.) e R$ 22 (e-book)
AVALIAÇÃO: bom
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Viagem A Um Deserto Interior
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Viagem a um Deserto Interior, por Leila Guenther |
Cada poema de "Viagem a um Deserto Interior", de Leila Guenther, parece ser uma espécie de monólogo interior, com personagens se debatendo em torno da própria solidão. A expressão poética parece reunir a fragmentação de um sentimento doloroso de perdas ("Minha noite se divide/ em muitas partes/ que não posso reunir"). Essa variedade de tons e vozes —que passa pela poesia moderna, de versos longos, e se intercala com poemas curtos, como haicais— parecem de fato procurar reunir num todo amoroso o que já se encontra cindido e apartado. "Recolho os despojos e,/ com paciência,/ guardo o tesouro/ em minha caixa de espelhos", escreve no belo poema "Vigília".
O livro é dividido em quatro partes -"Paisagem de Dentro", "O Deserto Alheio", "Castelo de Areia", "Um Jardim de Pedra" e "A Possibilidade do Oásis"- cujos títulos, de alguma forma, são sugestivos dessa viagem, ou de suas etapas, com suas próprias referências sobre a solidão e seu duro aprendizado. (HFM)
AUTOR: Leila Guenther
ILUSTRAÇÕES: Paulo Sayeg
EDITORA: Ateliê
QUANTO: R$ 35 (152 págs.)
AVALIAÇÃO: bom