Poeta João Bandeira lança livro após décadas de silêncio
QUEM QUANDO QUEIRA
"A corrosão das imagens é também a corrosão das linguagens e dos projetos poéticos que já foram heroicos em outros tempos". Com essa metáfora feliz, José Miguel Wisnik apresenta o primeiro livro do poeta João Bandeira após décadas de silêncio —e observação. De fato, "corrosão", expressão simbólica que contamina a obra poética de Drummond ("uma corrosão no sentido literal, socioeconômico —a serra sendo corroída pela retirada do minério— e uma corrosão metafórica —a alma corroída do itabirano, uma vez que procura a 'sua' serra, a qual lhe parecia eterna, e não mais a encontra", conforme a pesquisadora Letícia Malard, é também o oculto "leitmotiv" deste caleidoscópico "Quem Quando Queira".
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"Ela sim/ calou// ""consigo quanto/ de tudo/ o que passou?""// agora vai/ saber então/ onde fica/ como foi// depois", diz um poema da primeira parte, lírica de fundo amoroso. "Um superlullaby para sem-tetos resignados transexuais/ indecisos negros injuriados e policiais sem desejo/ por entre brisas de xixi e os perfis de altos edifícios": o poema da segunda parte ""discursiva, tal a terceira"" lembra que todo paraíso tem limites.
Na quarta parte, Bandeira, bandeira das poéticas de Arnaldo Antunes e Nuno Ramos, cria diálogos-homenagens a Waly Salomão, Waltercio Caldas, Joan Brossa e Lorenzo Mammì (que em versos como "como se/ o mais difícil/ se transfigurasse/ no mais fácil" configura profissão de fé na arte).
Na quinta, a corrosão demonstra-se em ready-mades: imagens de velhos lambe-lambes que flagram restos da nossa linguagem ""muros tentando falar, ou já esquecendo o que iam dizer. (RONALDO BRESSANE)
PAISAGENS HUMANAS DO MEU PAÍS
Com cerca de 20 mil versos, esse livro do turco Hikmet, é uma coletânea de histórias fragmentadas de pessoas anônimas, gente simples, invertendo o lado grandioso que haveria num épico. Como conta o tradutor, o poeta começou a escrevê-lo na penitenciária de Istambul, em 1939, levando 22 anos para completá-lo.
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Seu desejo não era articular essa histórias num grande poema, mas fazer uma enciclopédia da vida da sociedade turca, "trabalhadores pobres, camponeses, donas de casa, pequenos criminosos etc., os quais seriam os verdadeiros heróis de sua obra". Aos poucos, percebeu a possibilidade de armar esse quadro, com lirismo direto e coloquial, absorvendo elementos de teatro, prosa e roteiro.
Para dar andamento ao conjunto, tudo se passaria como uma viagem de trem, dividida em cinco "livros", ao longo dos quais ouvimos as vozes desses presidiários, suas angústias e histórias de injustiça e dor, que englobam não apenas a vida turca e a opressão, mas também a Segunda Guerra. (Heitor Ferraz Mello)