Livros infantis discutem política, gênero e regimes totalitários
Você vai com seu filho à livraria e deixa-o escolher os livros que deseja levar pra casa, e, obviamente, as crianças adoram aqueles coloridos e belamente ilustrados. Ele (ou ela) surge então, na hora do jantar, com perguntas do tipo: por que (no caso do garoto) eu não posso usar vestido se homens e mulheres são iguais? O que o seu partido político defende? Nós somos ricos de verdade ou da classe média que inveja os ricos?
Está preparado? Bem, se você é pai ou mãe engajado numa educação crítica e progressista, vai se divertir com a coleção "Livros para o Amanhã", que a Boitatá (selo da editora Boitempo voltado para crianças) acaba de lançar. São quatro livros que versam sobre o regime democrático ("A Democracia Pode Ser Assim"), o autoritarismo ("A Ditadura É Assim"), as desigualdades entre as classes ("O que São Classes Sociais?") e entre os sexos ("As Mulheres e os Homens"). Os dois primeiros já foram lançados; os outros sairão em março.
Mikel Casal/Reprodução | ||
Galeria de ditadores para "A Ditadura é Assim" |
Os textos foram resgatados de edições espanholas publicadas entre 1977 e 1978 (já as belas ilustrações foram feitas especialmente para as reedições), informação que se encontra na introdução dos volumes e é indispensável na contextualização da leitura.
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Capa de "A Democracia Pode ser Assim" |
Isso porque o tom afirmativo e um tanto esquemático adotado na apresentação de assuntos complexos causa surpresa, mas torna-se compreensível diante de um pano de fundo no qual valores como o direito à liberdade e à vida se encontram suspensos ou gravemente ameaçados, como no caso dos longos anos (1939-1975) da ditadura do general Francisco Franco.
O problema é que, por trás, há a ideia de que as desigualdades (entre classes econômicas e políticas e entre sexos) são invariavelmente consequência de abusos de poder, da imposição à força. Só que nem sempre é assim, e nem sempre o mundo se divide em apenas dois lados. Nos anos 1970, ainda havia a ideia de oposições distintas mais claras, entre direita e esquerda, conservadores e progressistas ou liberais, golpistas e democratas e até (por que não?) homens e mulheres. Sabemos que, hoje em dia, essas oposições não são tão nítidas: a agenda de partidos mais à direita e ou à esquerda nem sempre segue polarizada, assim como o feminismo não é apenas um e assume nuances e reivindicações que ultrapassam o direito de mulheres ocuparem lugares iguais aos tradicionalmente reservados aos homens (sem tocar no assunto de outros tipos de sexualidade...).
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Capa de "O Que são Classes Sociais?" |
De qualquer modo, não é um discurso que tenha perdido sua validade, pois há casos e casos de exploração e desigualdade ""e, para romper hábitos culturais e históricos naturalizados, é preciso, pelo menos num primeiro momento, apontar o dedo em riste, denunciar o absurdo, ser curto e grosso. Nem sempre há espaço para relativizações.
Cada um dos volumes é ilustrado por um artista contemporâneo espanhol, trazendo diferentes linguagens estéticas e relações com os textos. Nos volumes já publicados, por exemplo, Marta Pina produz colagens a partir de fotografias e gravuras de revistas antigas, que lembram muito as animações com um pé no surrealismo do grupo britânico Monty Python, emprestando um caráter mais aberto e lúdico ao texto. Já o traço do chargista político Mikel Casal cria uma atmosfera ao mesmo tempo refinada e cômica em "A Ditadura É Assim", com referências que parecem ir das caricaturas do expressionista George Grosz (implacável satirista da República de Weimar) aos alucinados desenhos da Pantera Cor-de-rosa.
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Capa de "As Mulheres e os Homens" |
Ao final, são livros que servem bem ao propósito de instigar o debate e, quando lidos pelas crianças, demandam o acompanhamento de adultos interessados em orientar a reflexão com explicações e novas perguntas. Ou corre-se o risco de ser pego de surpresa e engasgar com a sopa.
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Capa de "A Ditadura é Assim" |