Dumas, Dostoiévski e outras três indicações de literatura estrangeira
O CONDE DE MONTE CRISTO
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Capa de "O conde de Monte Cristo" |
As histórias de Alexandre Dumas, o Harold Robbins oitocentista (como o best-seller norte-americano dos anos 1970 e 80, o francês escrevia em colaboração), são pura Sessão da Tarde e as conhecemos do princípio ao fim, com rocambole com muitíssimo recheio de permeio. Ainda assim, não perdem em interesse.
A ascensão e queda (ou queda e ascensão) de Edmond Dantès, espécie de precursor do "self-made man" do século 20, cuja trajetória vingativa demarca a "apoteose do êxito individual" —de acordo com Antonio Candido, lembrado por Rodrigo Lacerda no elucidativo prefácio desta edição comentada—, é marcada pela trama de explicitação e ocultamento ditada pelo astuto protagonista, permitindo uma visão panorâmica da estratificada sociedade francesa do período.
Em tempos teleshakesperianos, é importante reler Dumas para saber de onde roteiristas como Matthew Weiner ("Mad Men") ou Beau Willimon ("House of Cards") aprenderam truques folhetinescos. (JOCA REINERS TERRON)
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PARAÍSO PERDIDO
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Capa de "Paraíso Perdido" |
"'Divina Comédia' do protestantismo", o épico de John Milton (1608-1674) seria inimaginável, segundo célebre análise de Max Weber, no contexto medieval de seu precursor dantesco.
Em vez da contemplação humilde e extática do homem reconciliado com as maravilhas celestiais, Milton fala da expulsão do Paraíso não como mero fardo, mas destino a ser assumido com coragem e orgulho "empreendedor" pelos descendentes de Adão.
Uma teologia paradoxal, não sem traços heréticos insinuados no elogio que esses versos parecem fazer ao maior e mais carismático de seus personagens, Satã.
Esses são alguns dos ingredientes que, como mostra a apaixonada homenagem de Harold Bloom ao gênio miltoniano no prefácio, tornam a leitura de "Paraíso Perdido" um desafio árduo, mas altamente recompensador, ainda mais na excelente tradução anotada do poeta português Daniel Jonas. (CAIOU LIUDVIK)
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O ADOLESCENTE
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Capa de "O Adolescente" |
Quando Arkadi Makárovitch Dolgorúki resolve escrever a história dos seus "primeiros passos pela vida", é um homem de 20 anos -o que, na Rússia de então, era considerado um adolescente. Narrado em primeira pessoa, "O Adolescente" (1876), de Dostoiésvki, é um dos romances de maturidade do escritor russo, ao lado de "Crime e Castigo", "O Idiota", "Os Demônios" e "Os Irmãos Karamázov".
Acompanhar os tortuosos passos desse jovem bastardo, filho de um nobre arruinado com a mulher de um ex-servo e jardineiro, é penetrar num mundo de valores em plena transformação e desintegração, quando a ordem capitalista passa a dar as cartas. Como lembra o tradutor Paulo Bezerra, "aos olhos de Dostoiévski, a nova civilização destruiu os antigos laços e não pôs nada em seu lugar, a não ser o dinheiro".
E o jovem Arkadi está justamente entre esses dois mundos, seduzido pelo mundanismo da nobreza de seu pai biológico —que, apesar da proximidade, não o reconhece como filho—, e sonhando em ser um novo Rothschild, para superar sua origem. (HEITOR FERRAZ MELLO)
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OS LIVROS DA SELVA
Rudyard Kipling (1865-1936) foi o grande bardo do colonialismo britânico da virada do século 19 para o 20. O auge de sua carreira literária, premiada com o Nobel em 1907, demarcou o recrudescimento de seu patriotismo e sua visão política conservadora, tão evidentes em sua obra adulta atualmente relegada.
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Capa de "Os Livros da Selva" |
O esquecimento dos leitores, porém, nunca chegou aos clássicos "Livros da Selva", que incluem as aventuras de Mowgli, o Menino Lobo. Herdeiro (e surrupiador sutil) da tradição fabulística de Esopo com suas tramas antropomórficas e moralistas, o autor anglo-indiano se alimentou das paisagens da Índia para criar "um mundo selvagem e estranho, ancestral e distante", no dizer do crítico J.M.S. Tompkins, com autêntico afeto pelos povos daquele país.
Espécie de elo perdido entre selva e civilização, infância e limbo imposto pela maturidade, os contos selvagens de Kipling funcionam como memorial daquele período representado pela infância em que não existem barreiras entre humanos e animais. (JOCA REINERS TERRON)
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OSSOS DE ECO
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Capa de "Ossos de Eco" |
Este é um dos textos mais esquisitos de Beckett e teve muita dificuldade em ser publicado -como quase toda a obra do escritor irlandês. Foi, afinal, o conto limado da coletânea "More Pricks Than Kicks", um dos primeiros livros do então secretário de James Joyce, nos anos 1930, e portanto um de seus textos mais joyceanos: "Tanto num nível verbal quanto estrutural, ele reúne várias fontes, da ciência e da filosofia à religião e à literatura", conta o crítico Mark Nixon no prefácio.
Narra-se aqui a ressurreição de Bellacqua e seu encontro com uma prostituta; em seguida, o gigante D'Artemísia, estéril, pede auxílio a Bellacqua para engravidar sua mulher, Lady Gall; no fim, Bellacqua, agora pai, assiste a um coveiro roubar seu túmulo -"Os mortos morrem mal" é a sedutora frase de abertura.
Humor negro, angústia mórbida, perversidades sexuais e múltiplas referências (todas superdecodificadas com maestria pelos irmãos tradutores) assombram o jovem Beckett -e o leitor. (RONALDO BRESSANE)