Livro biográfico de Maura Lopes evoca memória de internações psiquiátricas
Mais que oportuna a reedição do livro biográfico-ensaístico "Hospício É Deus", da escritora mineira Maura Lopes Cançado (1929-1993), cuja leitura parece evocar de imediato o belo verso de Orides Fontela: "a lucidez alucina".
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Aescritora mineiraMaura Lopes Cançado |
Impressionam a clareza, a sensibilidade e o senso crítico com que Maura descreve seus momentos de intensa perturbação psíquica, a conduta de médicos e enfermeiras nos hospitais psiquiátricos em que se internou e o comportamento de outras pacientes, como se fosse uma analista experiente a observar de fora um mundo caótico, brutal e desumano, ou "sarabanda alucinada", como escreve.
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"Hospício É Deus/O Sofredor do Ver" |
Suas reflexões agudas sobre os limites entre sanidade e loucura são atravessadas por potentes imagens poéticas, que vão da sutileza ao trágico: "à minha volta olhos invioláveis atestam a presença do que sempre será o irreal". Impossível não associar a leitura a "Cemitério dos Vivos", de Lima Barreto (1881-1922), registro também inquietante e comovente de suas internações em manicômio no início do século 20 no Rio de Janeiro; ou ao romance-testemunho "Todos os Cachorros São Azuis", do poeta Rodrigo de Souza Leão (1965-2009), diagnosticado com esquizofrenia.
Na coletânea de contos "O Sofredor do Ver", lançada numa caixa com "Hospício É Deus", Maura apresenta uma narrativa atenta às vertigens da linguagem e voltada para dimensões abstratas da realidade, uma subjetividade fraturada, em dicção próxima de grandes autoras brasileiras contemporâneas como Clarice Lispector e Hilda Hilst.