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Crítica: 'Estamira' põe espectador em estado alterado de consciência
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LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Poética da loucura. "Estamira, Beira do Mundo" é singular como espetáculo e excepcional como realização. Mais do que encenação sobre alguém ou algum tema, é um acontecimento teatral que coloca suas testemunhas em estado alterado de consciência.
Peças "Estamira" e "Aberdeen" iluminam símbolos da transgressão
Não há milagre nesse feito da atriz Dani Barros e de sua parceira Beatriz Sayad, que a dirige na jornada. As duas criam juntas uma dramaturgia original, que é apresentada por Barros em circunstâncias muito especiais.
O ponto de partida é o documentário de Marcos Prado, de 2004, que revelou ao mundo a história real de Dona Estamira. Catadora de lixo sexagenária e considerada doente mental crônica, ela trabalhou por 20 anos no lixão do Jardim Gramacho, no Rio.
Lenise Pinheiro/Folhapress | ||
A atriz Dani Barros na peça "Estamira" |
O filme amealhou vários prêmios internacionais e teve no desempenho de Estamira seu principal trunfo.
Seu discurso desconexo, mas de alta intensidade lírica, e a vitalidade com que o apresenta venceram qualquer preconceito contra sua suposta insanidade.
Dani Barros chegou a conhecer Estamira antes de sua morte, em 2011.
Mas o estalo para arriscar-se na montagem desse solo veio de sua própria história e da triste experiência de ter tido uma mãe com depressão crônica, que sofreu diversas internações psiquiátricas.
É no cruzamento, no corpo e na alma da atriz, dessas duas existências sofridas que se produz o fenômeno a destacar.
Como se alternam na fala de Barros, numa flutuação sutil, as vozes de Estamira, cujo discurso no filme ela resgata, e a sua própria, narrando o enlouquecimento da mãe, configura-se uma situação fronteiriça entre o documental e o ficcional, entre a vida real de duas mulheres sofridas e a sua evocação dramática.
A hesitação entre os registros gera uma tensão virtuosa, que se intensifica ainda mais pelo trabalho extraordinário da intérprete.
Esta oscila entre expor, em carne viva, sua saga pessoal e deixar-se possuir por Estamira, sua verve e seus delírios. As mutações se explicitam física e espacialmente.
É da soma desses fatores concretos, substanciados na entrega de uma artista iluminada, que se constitui a matéria milagrosa que vai à cena. Honrando as origens do teatro, aqui os loucos tornam-se poetas.
ESTAMIRA
QUANDO: na quinta (26), na sexta e no sábado, às 21h, e dom., às 19h; até 29/7
ONDE: Sesc Pompeia (r. Clélia, 93, tel. 0/xx/11/3871-7700)
QUANTO: de R$ 6 a R$ 24
CLASSIFICAÇÃO: 14 anos
AVALIAÇÃO: ótimo
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