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Conceito da Bienal passa despercebido pelo público
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CADÃO VOLPATO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Uma simples garrafinha de água depositada por um visitante num canto da 30ª Bienal Internacional de São Paulo provocou mais um dos muitos questionamentos que o curador venezuelano Luis Pérez-Oramas vem enfrentando desde que assumiu a tarefa de dar sentido à exposição.
Um funcionário havia levantado a lebre: "Isso aqui é uma obra de arte?". Para o bem-humorado Pérez-Oramas, até que poderia ser.
Ele mesmo teve experiência semelhante ao encontrar um papelzinho depositado numa das obras, no segundo dia da abertura ao público.
Pensou um pouco antes de retirá-lo, mas foi pego com a mão na massa por um dos guardas do local e teve que se apresentar.
Um visitante da Bienal pode passar batido pelo tema/conceito/motivo que dá nome ao evento, mas quem prestar atenção não vai entender de primeira.
Afinal, o que quer dizer "A Iminência das Poéticas"?
Diante da pergunta, Pérez-Oramas abre um sorriso maroto. "A ideia da iminência na arte e nas poéticas é que as coisas podem em qualquer momento resultar numa experiência estética. Qualquer coisa, qualquer circunstância, qualquer situação."
E continua: "Mas é algo que ainda não assumimos plenamente, porque os processos históricos são lentos, porque nós, cidadãos ordinários, ainda somos dominados pela ideia de que a arte é algo absolutamente constituído, e de que não podemos fazer nada para mudar isso".
Tem a ver com poesia? "Não. Só tangencialmente", diz. "Usamos o termo num sentido mais antigo, é a parte da retórica que regula as possibilidades discursivas."
Esse tipo de coisa não assusta o público? "Acho que não. Essa é uma Bienal clara logo na entrada, com muitas coisas para se ver e encontrar, aberta para as transparências do prédio e que permite uma circulação entre os artistas. Se o título assusta, espero que na entrada o susto passe e comece a experiência."
PÚBLICO E ARTISTAS
De fato, o público ouvido na última semana parecia mais absorto na experiência do que preocupado com o conceito da mostra.
Uma rápida consulta às Bienais anteriores confirma o sucesso de público independente dos nomes bizarros. A 29ª Bienal trazia como conceito o enigmático verso de Jorge de Lima: "Há Sempre um Copo de Mar para um Homem Navegar".
O título da 27ª era "Como Viver Junto". O da 28ª, "Em Vivo Contato". E já foi pior, como o óbvio "O Homem e a Vida ", que denominava a 18ª edição, em 1985, e lembra os temas de redação escolar.
Do lado dos artistas, ninguém parece reparar nisso.
Nuno Ramos, cuja "Bandeira Branca", com os urubus, sacudiu a Bienal anterior, é um entusiasta da versão 2012 do evento, mesmo com o tema obscuro.
"Não há conceito possível que dê conta", ele diz. "O grande título de uma Bienal seria: ST, sem título." Nuno reflete sobre o próprio trabalho: "Quando acho um título bom para uma obra, sinto que andei 10 km. Quando não acho, fica tudo mais difícil".
Uma das estrelas dessa Bienal sem estrelas, Thiago Rocha Pitta, também releva o "conceito-que-deveria-vir-com-bula". "É fácil ver os trabalhos nessa Bienal. A arquitetura respeita as obras, a curadoria não se sobrepõe."
O artista tascou de próprio punho, com esferográfica e letra tortuosa, um título provisório para a sua obra exposta logo na entrada do segundo andar, que os visitantes apelidaram de "o trabalho do barranco".
Rocha Pitta chamou o impressionante monte de terra vermelha cortado por cortinas mergulhadas em concreto de "Half Buried Monument to the Continental Drift" (algo como monumento meio enterrado à deriva continental). Quase tão bom quanto "A Iminência das Poéticas".
CADÃO VOLPATO é músico, jornalista e escritor, autor de "Relógio Sem Sol" (ed. Iluminuras), entre outros
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