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Quadrinho ácido satiriza militantes e tiroteio geral para debater racismo

Em 'Esporte É de Matar', Ben Passmore mergulha no histórico de conflitos entre brancos e negros nos Estados Unidos

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Esporte É de Matar

  • Preço R$ 59,90 (64 págs.)
  • Autoria Ben Passmore
  • Editora Veneta
  • Tradução Mateus Potumati

As turmas da esquerda-caviar, da direita-atiradora, dos movimentos negros e da polícia, mais outros grupos e bandeiras ruidosos nas redes sociais, se encontram na rua. O que acontece? Spoiler: quem estiver desarmado toma bala na primeira militada.

homem negro de braços cruzados com touca na cabeça
Cartunista americano Ben Passmore, autor de 'Esporte É de Matar' - Divulgação

É o que acontece na sátira mordaz de "Esporte É de Matar", do americano Ben Passmore —dentro dos parâmetros dos Estados Unidos e com os grupos que batem boca por lá. Em especial sobre o racismo e a espiral histórica de conflitos entre pessoas brancas e negras no país.

Uma das inspirações de Passmore —que é um cartunista negro de Massachusetts, caso interesse aos fiscais do lugar de fala— é citada nas primeiras páginas. Um repórter pergunta ao jogador de futebol americano: "Você pretende se ajoelhar durante o hino nacional, apesar de muitos considerarem esse ato desrespeitoso?" O jogador, já de capacete e ombreiras para jogar: "sim".

Na temporada de 2016 da NFL, o ato do jogador Colin Kaepernick de botar um joelho no chão durante a execução do hino nacional inflamou discussões nos Estados Unidos. Descumprindo a regra de levar a mão ao peito durante a música, Kaepernick disse que estava protestando contra as mortes negras frente à violência policial.

Outros jogadores, a imensa maioria deles negros, copiaram a manifestação. Donald Trump, à época candidato e em seguida presidente, criticou a atitude. A causa pegou fogo —espalhou-se por outros esportes e chegou às manifestações de rua. Nos protestos do movimento Black Lives Matter em 2020, ganhou uma simbologia extra e trágica: George Floyd morreu asfixiado pelo joelho de um policial e acendeu uma nova onda de protestos.

No quadrinho, o ato de se ajoelhar só acontece mesmo no final. O jogo vem antes: é a noite do Super Bowl, a final do campeonato. Depois da partida, uma guerra de verdade eclode em uma grande cidade dos EUA.

A guerra começa depois da vitória do time de Marshall Quandary Collins —o jogador questionado pelo repórter no início, que faz as vezes de Kaepernick em "Esporte". As luzes do estádio explodem, a cidade cai num blecaute e manifestantes tomam as ruas.

Tem supremacistas brancos de metralhadora, o grupo militante negro Nation of Islam ("Nação do Islã") também maquinado, feministas radicais, células stalinistas, a polícia, saqueadores e os apoiadores pacíficos do Black Lives Matter.

A acidez de Passmore se mostra, por exemplo, em colocar os únicos apoiadores do BLM como um casal branco que medita na rua, toma água ionizada e acredita em "comunicação não violenta".

Durante um tiroteio, a esposa pergunta: "E se você pedisse pra polícia parar de atirar?". O marido declama: "Nós queremos ajudar minorias ouvindo e entendendo suas dores." Ele é o primeiro a levar um tiro na cabeça.

Se a caricatura está no roteiro, a arte do quadrinho fica no meio do caminho entre os corpos reais e as deformações. Passmore se destaca nas cenas de multidão e no uso de onomatopeias —quando desenha confusão. O formato levemente avantajado do álbum colabora com a arte lotada de figuras e detalhes.

A tradução excelente, assinada por Mateus Potumati, aproxima o discurso dos manifestantes americanos do que se ouve no Brasil: "Bando de burguês safado!", "É por isso que eu não me meto com cirandeiro!", "O mundo tá muito tenso".

A acidez de "Esporte É de Matar" segue durante todo o álbum, mas a história ganha contornos mais surrealistas perto do final. Isto e as poucas páginas da HQ prejudicam o entendimento da trama. Se o leitor quiser entender a solução de Passmore para essa muvuca de discussões sobre o racismo, também vai ficar coçando a cabeça.

Se é que o autor queria propor uma solução. Talvez o que "Esporte" mostra é que, tal como as torcidas de futebol, estes grupos e suas visões de como a sociedade deve ser nunca vão parar de bater boca. E, como Passmore prevê, um dia irão às vias de fato, nas ruas, empunhando metralhadoras.

A única previsão do autor, seja satírica ou séria, é de que a briga não vai ficar só no bate-boca. E nem assim vai ter solução.

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