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08/11/2012 - 14h40

Análise: Quanto restará de Mao na nova era chinesa?

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JOHN RUWITCH
DA REUTERS, EM PEQUIM

Em 1981, cinco anos depois que ele morreu, o Partido Comunista, que governa a China, começou a abandonar lentamente o legado e a filosofia de Mao Tse-Tung.

Hoje, as especulações quanto à possibilidade de que essa tarefa esteja a ponto de ser concluída colocam em destaque um dos debates mais emotivos que fervilham no interior do partido -o quanto do legado de Mao pode ser apagado sem que a autoridade da agremiação seja solapada.

O debate também serve como indicador quanto a uma batalha mais tangível no partido, quanto à direção e dimensões das futuras reformas.

A recente omissão da expressão "pensamento de Mao Tse-Tung" em algumas declarações políticas despertou as especulações de que o partido pode retirá-la de seus estatutos ao emendá-los durante o 18º Congresso da agremiação, que começa na quinta-feira. Para os críticos, as referências padronizadas ao "pensamento de Mao" deixaram de fazer sentido há anos. Mao, afinal, pensava em revolução e comunismo, não em harmonia com o capitalismo. Parece claro qual dos dois caminhos foi escolhido pela China.

Mas os defensores de que a expressão seja mantida alegam que "pensamento de Mao Tse-Tung" teve seu significado expandido há muito para abarcar mais que as cogitações individuais, e muitas vezes radicais, de Mao. Em essência, o pensamento do líder era um conjunto de argumentos que originalmente serviam como justificativa para a realização de uma revolução marxista na China, pobre e agrária.

Os defensores de suas ideias acreditam até hoje que eles embasam a legitimidade do partido e lhe fornecem um conjunto de princípios orientadores.

A queda, este ano, de Bo Xilai, antigo líder do partido na cidade de Chongqing, no oeste do país, e um dia considerado candidato a cargo de escalão mais elevado, é uma consequência dessa batalha no interior do partido, dizem especialistas.

Depois de ser apontado para a liderança, em 2007, Bo transformou Chongqing em uma amostra de cultura "vermelha" maoista, promovendo as políticas de crescimento igualitário e liderado pelo Estado propostas pelo líder. A mulher de Bo foi condenada por homicídio e ele foi expulso do partido, acusado de corrupção e abuso de poder -acusações frequentemente utilizadas para desacreditar antigos líderes caídos em desgraça.

"Não é uma questão de eles pensarem ou não a respeito", disse uma fonte conectada à liderança do partido sobre a possível remoção da expressão "pensamento de Mao Tse-Tung" dos estatutos da organização. "É mais uma questão de eles terem ou não coragem de fazê-lo."

O Comitê Central, o órgão que determina o direcionamento político do partido, aprovou na segunda-feira uma emenda aos estatutos que atualizaria o documento de forma a "refletir as mais recentes realizações teóricas do partido na adaptação local do marxismo à luz da experiência prática", reportou a agência de notícias oficial Xinhua.

Não foram revelados detalhes sobre as mudanças.

Os novos líderes que devem ser ungidos pelo 18º Congresso do partido, no entanto, não ofereceram muita indicação de que defendam mudanças radicais. Xi Jinping, que deve assumir a presidência da China, e Li Keqiang, que deve se tornar primeiro-ministro, são vistos como reformistas cautelosos, na melhor das hipóteses.

No entanto, fontes afirmam que Xi e o atual presidente chinês Hu Jintao, estão pressionando o partido a adotar um processo mais democrático para a escolha de novos líderes este mês, o que representaria uma grande reforma.

MUDANÇAS

O partido vem se afastando lentamente de Mao desde 1981, quando promulgou uma histórica resolução admitindo que o líder revolucionário, reverenciado como um deus na revolução cultural de 1966-1976, havia cometido alguns grandes erros. "O horizonte dessa reavaliação não para de ser expandido", disse Rebecca Karl, professora de História na Universidade de Nova York e autora de um livro sobre Mao.

Por volta dos anos 90, a lista de erros de Mao incluía não só a revolução cultural mas também o chamado "grande salto adiante" de 1956-1961, que causou uma fome cujas consequências incluíram 30 milhões de mortes. A reavaliação foi mais tarde ampliada para incluir também a coletivização forçada do início dos anos 50, segundo Karl.

Ao mesmo tempo, os congressos do partido foram usados para formalizar mudanças graduais que resultaram no abandono de muito daquilo que Mao representava e pelo que lutou, dizem analistas.

O conceito de socialismo com características chinesas foi adicionado aos estatutos do partido em 1992, e a "teoria de Deng Xiaoping" foi incluída cinco anos mais tarde, formalizando a virada da China para a economia de mercado. Em 2002, os estatutos foram alterados para permitir que empresários aderissem ao partido e afirmar que o partido representa os interesses de todos os chineses, não apenas os trabalhadores e camponeses.

Enquanto isso, o "pensamento de Mao Tse-Tung", surgido nos anos 30, continua a ser reconhecido retoricamente como um dos princípios orientadores do partido, uma extensão do marxismo-leninismo adaptada à China.

O termo foi adotado como parte dos estatutos nos anos 40, mas retirado no final da década de 50, depois que o culto a Stálin foi abandonado na União Soviética. O termo voltou a ser adotado no final dos anos 60, e é parte dos estatutos desde então. O "pensamento de Mao" foi distorcido e alterado inúmeras vezes ao longo das décadas para atender à necessidade política de cada momento. Em termos práticos, "foi completamente demolido", diz Karl.

REMOVENDO

Isso não significa que tenha perdido a importância, porém. "Remover a expressão 'pensamento de Mao Tse-Tung' do estatuto partidário elimina a garantia - ainda que hipotética, retórica e improvável - de que um dia o socialismo virá", ela afirma.

Han Deqiang, professor da Universidade de Aeronáutica e Astronáutica de Pequim e fundador da Utopia, uma organização neomaoísta, diz que remover a expressão do estatuto seria puxar o tapete do próprio partido.
"Se o 'pensamento de Mao Tsé-Tung' for retirado, o regime fica sem legitimidade eleitoral e sem legitimidade histórica. De onde virá sua legitimidade?", ele questiona.

Mao, o homem, continua a ser um símbolo potente. Seu sorriso enigmático pende sobre a praça Tiananmen e decora o dinheiro chinês. Manter Mao sem o pensamento de Mao Tsé-Tung como parte da ideologia dominante requereria manobras retóricas complicadas e, potencialmente, discussões honestas que os líderes do partido podem preferir não realizar, o que incluiria o Grande Salto Adiante e a Revolução Cultural -questões politicamente delicadas e raramente discutidas em público.

"Se eles não forem capazes de encarar de forma veraz o que aconteceu naquela era, terão de continuar presos ao pensamento de Mao Tsé-Tung e não poderão abandoná-lo", disse Zhang Sizhi, advogado que defendeu Jiang Qing, a mulher de Mao, quando ela foi julgada como integrante da "Camarilha dos Quatro", em 1980.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

 

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