Reação vingativa pode levar a ideia de que Trump não pode governar

MICHAEL KEPP
ESPECIAL PARA A FOLHA

Enquanto forças se mobilizam para criticar a eleição e o temperamento de Donald Trump, o próximo presidente provavelmente usará o Twitter e a mídia para insultá-las e, com isso, provar que elas têm razão.

As reações estouvadas de Trump, em que ele amesquinha seus adversários, ajudam a explicar seu índice de aprovação abismal de 40% —muito inferior ao de seus três últimos predecessores— e podem levar mais americanos a questionar sua aptidão mental para a Presidência, haja visto que mesmo uma crítica de relance contra ele suscita um contragolpe nuclear.

O comediante Bill Maher disse que Trump "vive para se vingar" e sabe disso porque o magnata o processou certa vez por Maher ter dito que a única coisa que explicaria a cor do cabelo de Trump seria ele ser fruto de um cruzamento entre um humano e um orangotango.

O pai de um soldado muçulmano americano morto no Iraque sabe disso porque Trump o menosprezou depois de ele perguntar, na Convenção Democrata, se Trump, que pediu que muçulmanos fossem proibidos de entrar no país, tinha lido a Constituição americana.

A atriz Meryl Streep sabe disso porque Trump tuitou que ela é "superestimada" depois de ela tê-lo criticado, na cerimônia de entrega do Globo de Ouro, por ter zombado de um repórter deficiente físico que ajudou a desmentir uma das muitas afirmações falsas feitas por Trump.

Agora o deputado John Lewis, ícone muito admirado da luta pelos direitos civis, sabe disso também porque, depois de Lewis ter dito que vai boicotar a posse de Trump por ele não ser "um presidente legítimo", Trump tuitou que o deputado é "só conversa, conversa".

Mais de 50 outros parlamentares aderiram ao boicote iniciado por Lewis, com alguns citando como razão o caráter divisivo e questionável de Trump, não sua legitimidade. E uma marcha de mulheres a Washington está prevista no dia 21 para reunir até 400 mil manifestantes em repúdio a Trump, misógino que já se gabou de bolinar mulheres.

Como essas críticas a Trump vão continuar, também vão continuar suas retaliações impulsivas, feitas por Twitter, entrevistas, ações judiciais e seu controle dos instrumentos mais poderosos do governo, como o Departamento de Justiça e o altamente politizado FBI.

É possível que a resposta vingativa de Trump às críticas não apenas comprometa sua capacidade de governar, mas também leve um número crescente de americanos a questionar seu ego frágil e autodestrutivo, que, segundo alguns psiquiatras, aponta para um "transtorno de personalidade narcisista".

O analista político Keith Olbermann fez diagnóstico semelhante: "Elegemos um homem que não está totalmente bem da cabeça. Algum dia, provavelmente em breve, alguma coisa ruim vai acontecer. Eles [os republicanos no Congresso] terão que afastá-lo."

Terá o analista apenas expressado o que na realidade gostaria de ver acontecer? É possível. Mas isso pode ajudar muitos americanos a suportar o que acreditam que será uma Presidência de pesadelos, cheia de perigos.

MICHAEL KEPP, jornalista americano radicado há 34 anos no Brasil, é autor de "Um pé em cada país".

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