Turquia decide hoje em plebiscito limite para poderes de Erdogan

DIOGO BERCITO
ENVIADO ESPECIAL A ISTAMBUL

A Turquia escolherá, no plebiscito constitucional deste domingo (16), entre duas palavras: "evet" e "hayir". "Sim" e "não", em turco.

Fora do dicionário, o resultado da votação poderá levar a uma das maiores transformações políticas deste país desde a formação da república, em 1923, e a abolição do califado, em 1924.

A decisão ocorre em momento de recrudescimento e instabilidade, menos de um ano após uma tentativa frustrada de golpe militar. O resultado, que será anunciado no fim do dia, é imprevisível. Pesquisas de opinião têm oscilado, e as mais recentes sugerem vitória estreita do "sim".

Caso ganhe, o "evet" levará a 18 emendas na Constituição. A mais importante delas é a substituição da democracia parlamentar pelo sistema presidencial, extinguindo o cargo de premiê.

A medida beneficia o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, que convocou e defendeu o plebiscito. Para críticos, seria excessiva a concentração de poderes nas mãos de um só líder.

O cargo de presidente é em parte cerimonial na Turquia, com funções limitadas, apesar de ter poderes como o de mobilizar o Exército.

A função ganhou novas proporções com a posse de Erdogan, em 2014, emendando com sua atuação como premiê desde 2003. Apoiado pelo partido e pela população, ele se impôs na política.

Com o "sim", Erdogan poderá se reeleger em 2019 e 2024 e se manter no poder até 2029, totalizando quase três décadas de mando.

"Ele já governa hoje para além de suas prerrogativas", diz à Folha Christoph Ramm, da Universidade de Berna (Suíça), que estuda o país.

"Nos últimos anos, o governo tem demonstrado uma atitude cada vez mais autoritária, principalmente depois de ser desafiado pela esquerda nos protestos de 2013."

Naquele ano, manifestantes se opuseram aos planos de remodelar o parque Gezi, no centro de Istambul. Houve extenso confronto. "Seu poder foi desafiado", diz.

A reforma da Constituição também permitirá que Erdogan volte à liderança do AKP (Partido Justiça e Desenvolvimento), de que se afastou para assumir a Presidência, devido à lei atual. O AKP tem a maioria no Parlamento.

Legisladores não poderão mais fiscalizar a atuação dos ministros. Erdogan poderá nomear parte do Judiciário, esticando mais seu braço.
Por outro lado, o presidente poderá sofrer impeachment pelo Parlamento, o que não é possível na lei atual. O cenário, porém, é improvável, pois ele tem apoio da maioria dos legisladores.

BOICOTE

A campanha encheu Istambul de bandeirolas –a maior parte pelo "sim"– e dominou a mídia, quase toda controlada pelo governo.

O jornal "Daily Sabah", pró-Erdogan, tem publicado apenas reportagens que são favoráveis ao plebiscito.

A edição de sexta (14) afirmava que "os cabeleireiros de Istambul preveem" a vitória do sim –os repórteres fizeram sua boca de urna em salões. Dias antes, os especialistas eram os taxistas.

Monitores internacionais acusam o governo de boicotar a campanha do "não" com um apagão na imprensa e intervenções da polícia.

O momento político é fundamental para entender o contexto deste plebiscito.

O governo sobreviveu a uma tentativa de golpe militar em julho de 2016, em que 248 morreram, e o país vive desde então sob estado de emergência. Erdogan acusa o clérigo Fetullah Gülen, exilado nos EUA, de maquinar o golpe. Gülen nega, mas seus seguidores –e supostos seguidores– são perseguidos.

Cerca de 45 mil pessoas foram detidas e 130 mil foram removidas de suas funções públicas. Mais de cem jornalistas foram presos.

A sensação de insegurança foi intensificada na virada do ano, quando a organização terrorista Estado Islâmico matou 39 pessoas em um clube noturno de Istambul.

A ameaça do terrorismo se soma à dos militantes curdos no sudeste do país, responsáveis também por diversos ataques nos últimos anos.

O "sim" representa para parte da população, portanto, o voto em um governo mais forte e mais estável.

"O presidente não pode fazer muitas coisas no sistema atual", diz Senol Gengiz, 52, dentro de um escritório da campanha do "sim". "O país será mais unido."

Em uma crise econômica, um Erdogan mais forte também teria mais margem para implementar reformas e facilitar o investimento externo.

Esse argumento tem especial apelo à população ante a queda no turismo, que em 2015 contribuía diretamente com mais de 6% do PIB. Após a tentativa de golpe, o número de chegadas nos aeroportos caiu 21% em 2016.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.