Trump muda roteiro da política ao lançar ideias improvisadas

DA ASSOCIATED PRESS

Os políticos têm um método tradicional para testar ideias novas: lançar um balão de ensaio. Basta espalhar rumores sobre uma mudança de política, ou permitir vazamentos seletivos sobre ela à imprensa, ver que reação a ideia causa, e só levar a proposta adiante se a reação fizer com que ela pareça viável.

O presidente Donald Trump mudou esse roteiro.

Ideias novas e surpreendentes surgem em suas declarações e posts no Twitter. Em seguida, o resto do governo corre para acompanhá-lo —e descobrir quando essas declarações sinalizam novas políticas e quando elas são apenas comentários impensados que pouco significam.

Na semana passada, por exemplo, Trump afirmou que está aberto a impostos mais altos sobre a gasolina, sugeriu no Twitter que uma paralisação do governo federal poderia ser boa, e chamou o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, de "sujeito esperto", a quem ele consideraria uma honra conhecer —nas condições certas.

Trump também convidou o presidente filipino Rodrigo Duterte, que tem um histórico complicado quanto aos direitos humanos, para visitar a Casa Branca, e insistiu em que o plano do Partido Republicano para a saúde garantiria cobertura a pessoas portadoras de problemas de saúde pré-existentes, ainda que não haja uma garantia firme quanto a isso na versão mais recente da proposta.

Esses pronunciamentos às vezes forçam os principais assessores políticos do presidente a tentar ajustar as propostas políticas do governo a fim de sincronizá-las às declarações do presidente.

Os assessores de comunicação de Trump precisam se contorcer para explicar os aspectos incompatíveis das mensagens divulgadas pela administração. E os líderes do Partido Republicano no Congresso, sempre apanhados de surpresa, precisam decidir quando realinhar suas posições e quando manter o rumo.

"É uma corrida para recuperar o atraso, a cada dia na Casa Branca, e certamente uma corrida de ideias na cabeça de Trump", disse Calvin Jillson, da Universidade Metodista do Sul, estudioso da Presidência americana.

A frustração dos legisladores republicanos ficou clara quando Trump recorreu ao Twitter na terça-feira (2) para declarar que o governo "precisa de uma boa paralisação" em setembro, para corrigir a "bagunça", depois que os democratas saíram vitoriosos quanto a diversas questões de gastos em um projeto de lei de autorização de gastos negociado para manter o governo em funcionamento.

"Eu gostaria que alguém tirasse o iPhone dele", disse o senador Bob Corker, republicano do Tennessee.

"Eu gostaria que ele pensasse duas vezes antes de usar o Twitter", ecoa o senador John McCain, republicano do Arizona.

Paul Ryan, o presidente da Câmara dos Deputados, comentou publicamente: "Já nem sei quantas vezes tive de responder a perguntas do tipo 'o senhor concorda com o tweet desta manhã?'".

Ryan disse que compartilhava da irritação do presidente com os democratas quanto às negociações sobre gastos. Mas também defendeu o acordo orçamentário, dizendo a repórteres que se tratava de "um importante primeiro passo na direção certa".

Quanto à Coreia do Norte, Trump pareceu reconhecer que seus comentários conciliatórios sobre Kim eram causa de surpresa. Trump disse em entrevista à rede CBS, no domingo (30), que um encontro com Kim seria "uma honra". O presidente afirmou mais tarde que seu comentário certamente seria tratado como "notícia urgente".

Sean Spicer, o porta-voz da Casa Branca, não demorou a enfatizar que Trump não se reuniria com o líder norte-coreano a não ser que ele mudasse de curso e mostrasse "sinais de boa fé".

Perguntado por que Trump se sentiria honrado por se reunir com alguém que ameaçou destruir os Estados Unidos, Spicer respondeu que, porque Kim é chefe de Estado, "há um lado diplomático nisso".

Da mesma forma, coube a Spicer conter as expectativas depois que o presidente declarou, em entrevista à Bloomberg, que "certamente consideraria" a possibilidade de gerar mais dinheiro para seu grande plano de infraestrutura por meio de um aumento nos impostos sobre a gasolina e o diesel. A ideia de aumentar impostos é inaceitável para a maioria dos legisladores republicanos.

Spicer declarou que Trump estava simplesmente mostrando "respeito" a uma ideia sugerida por algumas organizações setoriais, e que "ele não a endossou e nem a apoia".

As entrevistas de Trump muitas vezes trazem novidades até para os membros de sua equipe.

Quando Trump prometeu a um jornalista da Associated Press, no mês passado, que divulgaria seu plano de impostos dentro de uma semana, funcionários da Casa Branca e do Departamento do Tesouro, bem como os republicanos do Congresso, foram pegos de surpresa.

O anúncio fez com que os assessores saíssem correndo para tentar montar pelo menos um esboço de plano dentro do prazo que o presidente anunciou sem informá-los previamente.

As mensagens de Trump no Twitter são fonte constante de surpresas, talvez mais intensa no caso de sua acusação, em março, de que o ex-presidente Barack Obama havia ordenado escutas contra sua campanha na eleição presidencial. Isso gerou um esforço imenso da parte de seus assessores para encontrar maneiras de justificar a acusação.

Jillson admitiu que ocasionalmente Trump pode só parecer estar improvisando, quando seus anúncios são na verdade planejados, como no caso de uma conversa telefônica que manteve com a presidente de Taiwan antes de assumir o posto. A conversa gerou especulações de que Trump havia sem querer contrariado elementos duradouros da política externa dos Estados Unidos, mas as declarações dele parecem ter sido parte de um esforço calculado para confundir a liderança da China, disse Jillson.

O convite da Casa Branca a Duterte, cujo histórico inclui execuções extrajudiciais de suspeitos de tráfico e uso de drogas, apanhou de surpresa muitos planejadores do Departamento de Estado, e forçou representantes da Casa Branca a explicar o que fazia dessa visita uma boa ideia.

Reince Priebus, chefe de gabinete de Trump, enquadrou o convite do presidente como parte do esforço para conter a ameaça militar da Coreia do Norte, acrescentando que "isso não significa que os direitos humanos não importam".

Jillson disse que embora os funcionários do governo possam se sentir compelidos a alinhar as políticas que estão desenvolvendo às declarações mais recentes de Trump, os membros republicanos do Congresso estão começando a escolher os momentos em que precisam sincronizar suas posições aos pronunciamentos do presidente e os momentos em que podem se afastar deles.

Quanto ao acordo orçamentário entre os partidos, ele disse que os republicanos e os democratas do Congresso "esqueceram Trump por tempo suficiente para formular um acordo, quase sem consultá-lo, e conseguiram sucesso".

"Eles estão aprendendo a permitir que os comentários do presidente passem sem que precisem a agir, e continuam tentando pensar sistematicamente", disse Jillson.

A divergência ficou evidente quando Trump declarou que o plano do Partido Republicano para a saúde manteria a proteção a pessoas com doenças pré-existentes, uma afirmação contestada por proponentes da legislação.

O deputado Fred Upton, republicano do Michigan, mencionou esse descompasso na terça-feira ao explicar por que se opõe ao projeto de lei.

"Pode haver solução?", Upton disse. "Talvez, mas ela não é parte da equação que temos diante de nós".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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