Quando o conselheiro jurídico da Casa Branca de Richard Nixon depôs perante o comitê do Senado para o caso Watergate, em 1973, não foi apenas um momento político que funcionou como divisor de águas –também foi teatro político.
Usando óculos estilo Buddy Holly e acompanhado por sua mulher glamurosa, John Dean acabou representando um novo arquétipo na política de Washington: a testemunha principal que é também uma estrela.
Agora Washington se pergunta se James Comey será o sucessor moderno de John Dean.
O ex-diretor do FBI vai depor na quinta-feira (8) perante o comitê de inteligência do Senado. Será sua primeira aparição pública desde que foi demitido pelo presidente Donald Trump, no mês passado.
Comey, que comandava a investigação do FBI sobre os contatos entre a campanha presidencial de Trump e representantes da Rússia, deve fornecer mais detalhes sobre as circunstâncias de sua demissão e sobre relatos de que Trump teria procurado influenciar a investigação do FBI.
Segundo relatos da mídia americana, o ex-diretor do FBI redigiu um memorando depois de um encontro reservado com Trump no qual o presidente lhe teria pedido que arquivasse a investigação sobre Michael Flynn, seu ex-assessor de segurança nacional que está ao centro da investigação sobre os contatos com a Rússia.
A previsão é que Comey dê suas declarações mais reveladoras em uma sessão a portas fechadas com o comitê de inteligência do Senado mais tarde na quinta-feira. Mas a audiência aberta, que será transmitida pela televisão aberta, provavelmente dará início a uma nova fase na controvérsia em torno da influência de Moscou sobre a campanha de Trump, potencialmente contrapondo a palavra do ex-diretor do FBI à do presidente.
Para historiadores, o depoimento de Comey vai trazer à tona os fantasmas não apenas de John Dean e do caso Watergate, mas também do escândalo Irã-Contras, ocorrido durante o governo de Ronald Reagan.
Durante o caso Watergate, foi Dean, o conselheiro jurídico da Casa Branca de Nixon, quem emergiu como narrador crucial, fornecendo informações convincentes sobre o funcionamento interno da administração e figura críticas no escândalo.
No caso Irã-Contras, foi Oliver North, membro do Conselho de Segurança Nacional de Reagan, quem assumiu parte da culpa pela decisão da administração de violar um embargo de armas e vender armas ao Irã, para que os lucros das vendas pudessem ser transferidos irregularmente para grupos militantes de direita na Nicarágua conhecidos como contras (contrarrevolucionários).
As audiências de Dean e North no Congresso foram transmitidas pela televisão, levando ao conhecimento do grande público os dois homens e também seus interlocutores no Senado, que exerceram o papel de promotores.
"John Dean (...) tinha um depoimento de 245 páginas previamente preparado e depôs por quatro ou cinco horas. E foi fascinante", disse Ray Smock, diretor do Centro Robert C. Byrd de História e Educação Congressional.
A televisão transmitiu a íntegra da audiência do Senado sobre Watergate, com 250 horas de duração. O "New York Times" tomou nota do corte de cabelos "na moda, mas curto" de John Dean e dos cabelos e roupa elegantes de sua esposa, Maureen, que passou a audiência inteira sentada atrás dele, dentro do campo de visão das câmeras.
"Os senadores e mesmo as testemunhas não demoraram a perceber que a televisão era uma forma de arte –uma fonte de entretenimento, além de notícias– e que era uma oportunidade para as pessoas de se fazerem conhecer", disse David Greenberg, professor de história na universidade Rutgers. "Os casos de Watergate e Irã-Contras arrancaram os legisladores das fileiras dos senadores comuns, projetando-os para outro nível de celebridade."
Ele acrescentou: "No caso de Cmey, pelo fato de ele ter a reputação –merecida ou não– de falar com franqueza, há a expectativa de que ele solte algumas bombas e que não peque por excesso de discrição."
Essas expectativas podem ser frustradas por Comey, funcionário público que já decepcionou tanto democratas quanto republicanos no passado. O ex-chefe do FBI pode também se mostrar intencionalmente reservado para combater as acusações que Trump lhe fez de ser exibido e chamar a atenção a si mesmo.
Existem distinções óbvias entre Comey e testemunhas principais anteriores no Congresso, como Dean e North. Os dois eram membros de administrações da Casa Branca e atores importantes em suas respectivas controvérsias. Já Comey não é acusado de nenhum delito.
"John Dean era um delator. James Comey não é", disse Luke Nichter, professor de história na universidade Texas A & M e estudioso do período de Watergate.
"Comey ainda será leal ao FBI. Quando John Dean foi demitido, ele perdeu imediatamente sua autorização de segurança. Perdeu seu acesso a informações classificadas. Ele era jovem. Não tinha nada a perder, realmente."
Os adversários de Trump talvez esperem que o depoimento de Comey acelere as investigações sobre os contatos com a Rússia, possivelmente até ajudem a promover a renúncia imediata de Trump ou um processo de impeachment dele. É provável que se decepcionem.
Ray Smock disse: "O caso de Watergate avançou tão lentamente e de modo tão frustrante que achávamos que o escândalo nunca ia acabar e que nunca descobriríamos o que estava por baixo de tudo. Quando o presidente Ford disse que 'nosso longo pesadelo nacional chegou ao fim', todo o mundo entendeu exatamente o que ele quis dizer. Tinha sido uma tortura."
Ele prosseguiu: "Estamos dando início a outra série de investigações. Levará tempo para as coisas virem à tona, para grandes júris serem formados, para muitas testemunhas deporem, para pessoas serem intimadas a apresentar documentos. O processo todo já está sendo cansativo, e isso só vai se agravar."
Tradução de CLARA ALLAIN
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