DANIELA LORETO
EDITORA-ADJUNTA DE MUNDO

Líderes de Israel e da Autoridade Nacional Palestina (ANP) mantêm um "jogo duplo" nas negociações de paz mediadas pelos Estados Unidos, na opinião do cientista político Mario Sznajder, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém. Para o analista, ao mesmo tempo em que ambas as partes demonstram cooperar com o diálogo indireto, tentam também agradar aos seus públicos internos.

"Apesar de ambas as partes terem aceitado as negociações, mantêm uma dupla estratégia. Embora os dois lados se declarem dispostos a cooperar com Washington, trocam acusações entre si, para alimentar a expectativa de um público doméstico", disse Sznajder, que esteve em São Paulo para dar uma palestra sobre a crise na região, à Folha.

Avi Ohayon/Reuters
Premiê israelense, Benjamin Netanyahu, cumprimenta enviado especial dos EUA ao Oriente Médio, George Mitchell
Premiê israelense, Benjamin Netanyahu (à dir.), ao lado de americano George Mitchell

De acordo com o especialista, é importante lembrar que, no Oriente Médio, as políticas interna e externa são em geral muito interligadas, o que dificulta o processo. Ele explica que os dois cenários políticos --israelense e palestino-- também têm características bastante similares.

"Em Israel, há uma ala de extrema direita que ajuda a manter a coalizão de governo. Por isso, os líderes israelenses muitas vezes precisam dar declarações visando esse público. No caso da ANP, há a ala que apoia a grupo radical islâmico Hamas, que também coloca pressão sobre o governo. Ao mesmo tempo em que não se pode entrar em confronto com os EUA, também não se pode desagradar totalmente os extremistas, daí o jogo duplo".

Para o professor, a maneira mais eficaz de lidar com isso é adotar medidas duras e, ao mesmo tempo, barganhar com o outro lado. Ele cita como exemplo o recente anúncio de Israel de que haverá mais construções de assentamentos em Jerusalém Leste, em uma medida que foi criticada pelos EUA e poderia prejudicar as conversas com os palestinos.

"As construções anunciadas eram algo previsto mas, ainda assim, são controversas", avalia. "No entanto, observa-se que há todo tipo de declaração o tempo todo. O congelamento dos assentamentos está vigente, [Israel] não está de fato construindo. É um exemplo do que eu disse anteriormente, uma maneira de agradar no âmbito doméstico".

Diálogo direto

Na opinião do especialista, o diálogo entre as duas partes deveria ser direto, mas isso seria impossível neste momento. "Houve pontos altos e baixos, mas chegou-se a um ponto em que, sem mediação, não há conversa. Mas ainda acredito nas negociações diretas".

Debbie Hill/AP
Vice dos EUA, Joe Biden (esq.), cumprimenta líder palestino, Mahmoud Abbas; para analista, Israel e ANP fazem jogo duplo
Vice dos EUA, Joe Biden (esq.), cumprimenta líder palestino, Mahmoud Abbas; para analista, Israel e ANP fazem jogo duplo

Ele ressalta, no entanto, que as posições de Israel e da ANP divergem sobre essa questão. "Enquanto os palestinos fazem exigências e querem garantias dos EUA sobre o que será negociado, os israelenses desejam ir direto para as negociações", explica.

Snazjder ressalta ainda o segredo em torno dos tópicos que estão sendo debatidos. "A opinião pública de ambos os lados sabe muito pouco sobre as conversas, ninguém sabe exatamente o que está sendo negociado. Essa é a única maneira de avançar no diálogo".

"No Oriente Médio, é importante manter o segredo sobre a discussão e apresentar um acordo apenas depois que as negociações já se encerraram. Caso contrário, não se consegue lidar com os extremistas. Não dá para abrir o debate para o público, porque ele se torna tão duro que pode, muitas vezes, levar a atos de violência", explica o especialista.

Para ele, embora haja muitas questões em jogo, é preciso definir quais as prioridades. "Negocia-se com o outro lado, e também entre si, quais são os assuntos principais. Há a questão de Jerusalém, dos refugiados, do Estado Palestino, além de muitas outras. No entanto, as concessões são importantes, já que nunca se obtém tudo o que se almeja".

Irã

Em relação ao controverso programa nuclear iraniano, Sznajder lembra que este "não é um problema exclusivo de Israel, e sim uma questão internacional". "As ambições do Irã envolvem Israel, a China, a União Europeia, a Russia. Todos devem tratar da questão, já que ninguém deseja armas nucleares e radicalismo juntos, é algo muito perigoso", diz.

Vahid Salemi/AP
Lula cumprimenta o líder iraniano, Mahmoud Ahmadinejad; para analista, negociações não irão deter o Irã
Lula cumprimenta Mahmoud Ahmadinejad; para analista, negociações não irão deter Irã

O professor se diz cético quanto à posição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que defende a diplomacia em vez da imposição de novas sanções a Teerã e mediou na semana passada, ao lado da Turquia, um acordo nuclear criticado pelos EUA.

"Há negociações o tempo todo, sem que se obtenha resultados. O Irã não pára de desenvolver seu programa nuclear. Esses programas são como 'bombas-relógio', existe um cronograma para que possam ser detidos", alerta o analista.

"Não se pode dizer depois simplesmente: 'Desculpem, nós falhamos'. A ação nesses casos deve ser rápida, pois se trata de um regime radical, que detém a maior reserva de petróleo do mundo, e deseja construir armas nucleares. Esse problema é grave e tem que ser tratado com seriedade por toda a comunidade internacional", finaliza Sznajder.