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10/07/2010 - 10h15

Kafka dentro do pesadelo

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MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA REVISTA sãopaulo

Kafka vivendo uma trama tão kafkiana quanto a de seus livros poderia ser um ponto de partida óbvio. A escolha de um ator com o porte físico elegante de Jeremy Irons, para encarnar o franzino e enfermiço autor de "A Metamorfose", poderia não ser a opção mais feliz de "casting".

Mas o enredo policialesco de "Kafka", filme de 1991 do diretor Steven Soderbergh, tem a virtude de trazer para o plano da ação alguns temas recorrentes na ficção kafkiana. E Irons compõe magistralmente um Kafka cujos tormentos interiores convivem com a figura do homem comum, que parece nunca estar à vontade no próprio corpo.

Muito se discute sobre o sentido absurdo de livros como "O Processo" ou "O Castelo". Uma metáfora teológica do invisível Deus judaico e de sua lei tirânica; expressão da condição do indivíduo alienado pela esfera capitalista; ou a visão profética dos regimes totalitários?

O filme mescla esses elementos. Kafka entra em contato com uma rede de autoridades policiais e burocratas que conduzem a história a delírios cientificistas, a sinistros precursores do nazismo que desejam criar uma coletividade cordata e eficiente.

A película em preto e branco (colorida quando Kafka passa a outro plano narrativo) reforça a atmosfera opressiva das vielas de Praga, cidade natal do escritor de língua alemã.

Em uma cena, o satânico dr. Murnau (referência irônica ao mestre do cinema expressionista alemão) diz que Kafka deveria compreender a ousadia de suas conspirações. Kafka responde a esse Nosferatu da pseudociência: "Tentei escrever pesadelos; você construiu um".

Se, em "Na Colônia Penal", o escritor imaginou uma máquina de tortura que inscreve o castigo no corpo dos réus, Soderbergh obriga o maior intérprete das perversões da modernidade a conviver com a concretude de seus fantasmas.

filme

KAFKA
direção: Steven Soderbergh
distribuição: Lume (R$ 39,90)
avaliação: bom

livro

POR TRÁS DOS VIDROS
Autor de "Lições de Kafka" e tradutor do escritor tcheco, Modesto Carone é também autor das narrativas perturbadoras e oblíquas incluídas em "Por Trás dos Vidros".
autor: Modesto Carone
Editora: Companhia das Letras (208 págs., R$ 42,50)
avaliação: ótimo

dvd

O PROCESSO
O pesadelo jurídico de Kafka num clássico de Orson Welles filmado em 1962, com atuações de Anthony Perkins, Jeanne Moreau e Romy Schneider.
direção: Orson Welles
distribuição: Continental (R$ 39,90)
avaliação: bom

livros

Entre cães, canibais e anões

Anões arrogantes furam a fila de uma confeitaria e provocam a fúria homicida dos demais clientes. Atores coadjuvantes se balançam em bondinhos de teleférico, até provocarem um acidente real diante da plateia maravilhada. Canibais cujos ritos antropofágicos e vodus nada poupam, apenas os turistas que garantem sua poupança. Esse é o estranho mundo da gaúcha Veronica Stigger. As narrativas de "Os Anões" variam entre o sinistro e o cômico, são esquetes e "ready mades" extraídos dos cadernos de variedades e dos classificados dos jornais, mostrando o grotesco inoculado no cotidiano e no imaginário da indústria cultural. Você daria o livro infanto-juvenil de uma escritora como essa a seus pimpolhos?

A cachorrinha de "Dora e o Sol" também tem suas obsessões: rebola e arranha para impedir que o raio solar escape pela janela e continue esquentando seu sono preguiçoso. Mas Dora acaba compreendendo que existe um ciclo que trará o sol de volta --ao contrário dos anões e canibais de Veronica, que ostentam nossas aberrações com orgulho sadomasoquista.

OS ANÕES
Veronica Stigger (Cosac Naify, 60 págs., R$ 37)
avaliação: ótimo

DORA E O SOL
Veronica Stigger (Cosac Naify, 24 págs., R$ 26)
avaliação: ótimo

disco
ART BLAKEY'S JAZZ MESSENGERS
Jazz Messengers (Biscoito Fino, R$ 34,90)
Na primeira faixa, Art Blakey, líder da Jazz Messengers, abre "Now's the Time", clássico de Charlie Parker, de maneira inusual: um longo solo de bateria que introduz os improvisos de Wayne Shorter no sax-tenor e Lee Morgan no trompete. A inversão da sequência habitual das jams (exposição, uníssono, solos) lança o ouvinte numa pulsação que prescinde de começo e parece não ter fim.
avaliação: ótimo

filme
A PAIXÃO SEGUNDO ANTONIO CALLADO
José Joffily (Biscoito Fino, R$ 47,90)
Esse documentário mostra a formação do olhar de Antonio Callado sobre o Brasil a partir de suas andanças pela Europa, pelo Oriente, pelos EUA e pelo Xingu brasileiro --cenário do romance "Quarup" (1967), uma narrativa utópica em que a festa indígena dos mortos faz contraponto à história do Brasil entre Getúlio Vargas e o golpe de 64.
avaliação: bom

 

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