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20/02/2011 - 10h52

Tempo narrado

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MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA REVISTA sãopaulo

"Que a literatura moderna é 'perigosa' é algo incontestável. A única resposta digna da crítica que ela suscita (...) é que essa literatura venenosa exige um novo tipo de leitor: um leitor que 'responda'."

A frase, colhida um pouco ao acaso, está num dos volumes de "Tempo e Narrativa", a monumental obra de Paul Ricoeur (1913-2005) que acaba de ganhar nova tradução, numa caixa que contém seus três volumes: "A Intriga e a Narrativa Histórica", "A Configuração do Tempo na Narrativa de Ficção" e "O Tempo Narrado".

Não é, ao contrário do que sugerem o trecho citado e os subtítulos dos três tomos, uma obra de crítica literária, mas uma profunda investigação filosófica --ou de "antropologia filosófica", como prefere Hélio Salles Gentil na bela "Introdução"-- sobre nossa maneira de nos apropriarmos do mundo por meio de narrativas que lhe dão ordem e sentido.

E, como toda narrativa implica uma configuração do escoar dos acontecimentos (sejam os ciclos de um mito, a sequência de termos de um silogismo ou os capítulos de um romance), o pensador não hesita em fazer aproximações entre mitologia, filosofia e literatura sob o signo do tempo.

Ricoeur é um dos maiores representantes da hermenêutica, disciplina herdada da exegese bíblica que propõe uma forma cerrada de interpretação de texto, levando em conta o significado de cada termo em seu contexto cultural e social. Sua assombrosa erudição, porém, não deve afugentar o leitor.

Das deslumbrantes meditações de Santo Agostinho sobre a impossibilidade de traduzir o tempo ao tempo narrado nos romances de Proust e Thomas Mann, Ricoeur parece, à primeira vista, fazer "tabula rasa" das distinções entre ficção e não ficção.

Nada mais errado, entretanto, do que associar esse gigante do pensamento moderno ao vale-tudo pós-moderno. Ricoeur apenas solicita a paciente atenção de "um leitor que responda" à singularidade de cada narrativa, que saiba que o pensamento mais abstrato ou o romance mais fragmentário reordenam formas diferentes de compreender: "Não temos a menor ideia do que seria uma cultura em que não se soubesse mais o que significa 'narrar'."

TEMPO E NARRATIVA
AUTOR: Paul Ricoeur
TRADUÇÃO: Claudia Berliner e Márcia Valéria Martinez de Aguiar
EDITORA: WMF Martins Fontes (vol. 1, 380 págs.; vol. 2, 278 págs.; vol. 3, 498 págs.; R$ 156, caixa com três volumes)

LIVRO
LEMBRAR ESCREVER ESQUECER
Ao lado de estudos sobre Walter Benjamin e Adorno, estão dois ensaios sobre Ricoeur, numa preciosa reflexão a respeito de um autor pouco lido no Brasil.
AUTOR: Jeanne Marie Gagnebin
EDITORA: 34 (2006, 224 págs., R$ 37)

LIVRO
COMPREENDER RICOEUR
Guia introdutório que apresenta, cronologicamente, o percurso teórico do pensador francês.
AUTOR: David Pellauer
EDITORA: Vozes (2009, 200 págs., R$ 32)

FILME
A ORIGEM
Christopher Nolan (Warner, R$ 39,90)
Um especialista em entrar no inconsciente alheio (o ator Leonardo DiCaprio) trabalha a serviço da espionagem industrial e é obrigado a plantar uma realidade paralela na mente de um empresário. Vale pelos efeitos especiais, pela ação complexa --e mostra como os estudos neurocientíficos geraram um subgênero na ficção científica, iniciado com os filmes "Matrix" e "Minority Report".

LIVRO
SIGNÂNCIAS: REFLEXÕES SOBRE HAROLDO DE CAMPOS
Org. de André Dick (Risco Editorial, R$ 50)
Na semana em que se inaugura a "Ocupação Haroldo de Campos", no Itaú Cultural e na Casa das Rosas, esse livro de homenagem reúne textos dos poetas Carlos Ávila e Marcelo Tápia e de críticos como Luiz Costa Lima e K. David Jackson, entrevista com o editor J. Guinsburg e um fragmento das memórias, ainda inéditas, da ensaísta Leyla Perrone-Moisés.

DISCO
DAVE BRUBECK: LEGACY OF A LEGEND
Dave Brubeck (Sony Legacy, R$ 76, CD duplo)
Compilação comemorativa dos 90 anos de Brubeck, tem hits selecionados pelo próprio pianista americano, cujo quarteto introduziu simetrias de extração erudita nos improvisos jazzísticos. Além de clássicos como "Take Five" e "Blue Rondo à la Turk", traz seus encontros com Louis Armstrong e Leonard Bernstein e o registro inédito de "Three to Get Ready".

 

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