Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
Publicidade

Serafina

Protagonista de "O Mestre", Joaquin Phoenix ressurge em Hollywood

Mais opções
  • Enviar por e-mail
  • Copiar url curta
  • Imprimir
  • Comunicar erros
  • Maior | Menor
  • RSS

A sala de entrevistas do Cassino do Lido estava lotada pela primeira vez no último Festival de Cinema de Veneza. Jornalistas em pé e dezenas de fotógrafos na frente da bancada onde os entrevistados se sentam. O clima era tenso.

Conheça as estrelas do filme 'Gonzaga - De pai para filho'
Viúva de Leon Cakoff luta para manter a Mostra de Cinema de SP
Filme escancara namoro do diretor Ira Sachs com viciado em crack"

Em poucos minutos, começaria a entrevista coletiva de "O Mestre" (em janeiro no Brasil), que já tinha duas razões para atrair a atenção:

1) é o novo longa de Paul Thomas Anderson, diretor de "Magnólia" (1999) e "Sangue Negro" (2007), um mix moderno de Robert Altman ("O Jogador") com Stanley Kubrick ("Laranja Mecânica").

2) a trama, sobre as origens de um culto nos EUA dos anos 1950, seria um ataque à cientologia, religião de Tom Cruise.

Mas o que desperta tanto interesse é Joaquin Phoenix, o homem mais imprevisível do cinema. O sujeito anunciou a aposentadoria em 2008 para virar rapper, mas era tudo mentira. Estava, na verdade, atuando no pseudo-documentário "I'm Still Here" (2010), dirigido pelo cunhado, Casey Affleck.

A pegadinha fez o ator virar "persona non grata" em Hollywood. "O Mestre" é seu primeiro filme tradicional em quatro anos. Como se comportaria na entrevista?

Mark Abrahams
joaquin phoenix
De volta à Hollywood, Joaquin Pheonix protagoniza filme mais esperado do ano

A resposta não demora a aparecer. Ao lado do diretor e do coprotagonista Philip Seymour Hoffman, Joaquin parecia o tempo todo desconfortável, remexendo-se na cadeira e balbuciando respostas incompreensíveis longe do microfone. A certa altura, acende o terceiro cigarro e se levanta. Desaparece por alguns minutos e é vaiado pelos fotógrafos.

No dia seguinte, um domingo, a reportagem de Serafina o encontra para uma entrevista exclusiva. Joaquin é outra pessoa. O cigarro continua na boca, mas a atitude de moleque mal-educado dá lugar a um cara doce, comunicativo e sorridente.

"Não gosto de coletivas", explica. "Me levantei para ir ao banheiro. Não sou criança para pedir permissão para fazer xixi. Desculpe, não sou perfeito."

Não é mesmo. A dicção não é das melhores e, de vez em quando, ele se perde em respostas viajandonas. O visual o deixa mais misterioso. Apesar do costumeiro terno e gravata, seu cabelo está emaranhado e com uma coloração que vai do amarelado ao grisalho.

Prestes a completar 38 anos, Joaquin Rafael Bottom não tem só cara de maluco. Sua biografia também é bem esquisita. Começou a trabalhar em séries de TV aos oito anos.
Usava o nome Leaf (folha, em inglês) para homenagear a natureza e combinar com os irmãos, River (rio), Summer (verão), Rain (chuva) e Liberty (liberdade).

O "Phoenix" foi adotado pelos pais, que integram o culto Os Filhos de Deus.

ADEUS À INOCÊNCIA

Interrompeu a carreira aos 19 anos, quando o irmão mais velho, River, também ator, morreu, em 1993, vítima de uma overdose de heroína e cocaína, na frente de uma casa noturna que pertencia a Johnny Depp.

Joaquin estava junto na balada e foi ele que ligou para a emergência. Seus pedidos desesperados de socorro viraram uma das maiores atrações da imprensa sensacionalista pré-internet. "Levei um ano para ter minha vida de volta", disse ele.

Só retomou a carreira quando foi convidado por Gus van Sant para o filme "Um Sonho Sem Limites" (1995), com Nicole Kidman. O cineasta havia dirigido seu irmão em um de seus melhores papéis, em "Garotos de Programa" (1991), e em seu último longa, "Até as Vaqueiras Ficam Tristes" (1993).

O filme "Dark Blood" (1993), que River não completou, será lançado após ter ficado perdido por quase 20 anos. Joaquin, de acordo com os produtores, teria sido chamado para fazer narrações complementares ao personagem do irmão. "O filme vai ser lançado, mas não tenho nada a ver com isso. Sei menos do que você", diz, visivelmente incomodado com o assunto.

O charme indomável de Joaquin nunca passou despercebido em Hollywood. Em 2000, Ridley Scott o chamou para encarnar o imperador Commodus em "Gladiador", que lhe rendeu a primeira indicação ao Oscar. Foi aí que começou a se libertar da alcunha "irmão mais novo de River Phoenix".

"Sou ator desde criança e tudo o que ensinam sobre dramaturgia está errado", disse. "Dizem para você decorar as falas, aprender as marcações e encontrar sua iluminação. Quanta baboseira. Mas só descobri isso 30 anos depois."

A frustração com os "ensinamentos" hollywoodianos, além do baque da perda do irmão, levou-o ao alcoolismo. Temendo acabar como River,
internou-se voluntariamente em uma clínica em 2005.

Um ano depois, foi indicado novamente ao Oscar pelo trabalho em "Johnny & June", em que viveu o cantor e compositor Johnny Cash, ao lado da atriz Reese Witherspoon, que ganhou o Oscar de melhor atriz.

Algo, porém, quebrou-se dentro dele depois disso. Em vez de aproveitar o momento para ocupar seu lugar no time A, passou a evitar novos projetos e só topou participar de três longas, sendo dois dirigidos pelo amigo James Gray.

RAPPER

Durante a divulgação do segundo, "Amantes" (2008), com Gwyneth Paltrow, anunciou que estava se aposentando da carreira para virar o rapper JP. Apareceu no programa de entrevistas de David Letterman barbudo, de óculos escuros e errático, como se o corpo estivesse separado do cérebro.

Letterman, constrangido, corta a entrevista e dispara: "Pena que você não pôde estar aqui hoje à noite, Joaquin". "Eu gosto da sensação de desconforto, acho engraçado. Queria que as pessoas olhassem para mim e falassem: 'Não, não faça isso!'", comenta Joaquin sobre o episódio.

Na época, passou a enfrentar a fúria de seus colegas, dos jornalistas e de Letterman -que o ameaçou com um processo, mas desistiu ao receber um pedido de desculpas em uma nova entrevista.

"Eu me senti mal por algumas pessoas e foi doloroso vê-las falando sobre mim em público, mas eu tinha um compromisso e não podia sair do personagem. Tentamos criar uma experiência. Eu queria perder o controle", confirma.

Dois anos depois, Casey Affleck, irmão mais novo de Ben Affleck e casado com Summer, irmã mais nova de Joaquin, lançou o projeto "I'm Still Here", um pseudodocumentário sobre os "18 meses perdidos" do ator.

Como JP, ele cheira cocaína nos peitos de uma prostituta, é coberto de dejetos fecais por um músico raivoso e estrela shows desastrosos em Las Vegas -vários deles capturados de verdade por câmeras de pessoas comuns.

O perigo de ter se suicidado profissionalmente nem passou pela sua cabeça. "Estava enjoado de fazer filmes", revela. "Fiquei entediado, sentia que estava contra tudo o que eu desejava como artista."

Mas esta é uma nova fase, um novo recomeço para o ator. "Estou feliz de voltar ao método tradicional", confessa. "Mas tradicional não é um bom predicado para Paul [Thomas Anderson, o diretor]. Ele redesenha tudo na hora."

A maneira de Anderson dirigir "O Mestre" caiu como uma luva para o intérprete ansioso. Joaquin encarna de forma assustadora Freddie Quell, um ex-soldado enfrentando o vazio do pós-Segunda Guerra Mundial e sofrendo com acessos de raiva e tesão até encontrar um escritor, filósofo e fundador de um culto chamado A Causa, vivido por Philip Seymour Hoffman.

CIENTOLOGIA

Anderson utilizou o personagem como um recipiente para reunir todas as características que a cientologia -claramente a base para A Causa- diz curar. É um sujeito com o coração partido, descontrolado e em busca de uma comunidade.

"Eu não tenho um sistema de crenças, mas apoio qualquer coisa que traga a felicidade. Se é a cientologia, que seja", esclarece Joaquin.

O Lancaster Dodd de Seymour Hoffman vê no personagem de Joaquin a cobaia perfeita para seus experimentos que envolvem regressão, psicologia barata e muito carisma.
A atuação da dupla, premiada em Veneza, não deve passar despercebida pelo

Oscar 2013. "Joaquin é uma força da natureza. Eu apenas tentei montar nesta força", brinca Seymour Hoffman.

Em uma das cenas mais impressionantes, Freddie Quell é jogado na prisão ao defender o novo amigo. Ele anda em círculos, bate a cabeça na cama, cai, levanta-se e arrebenta o vaso sanitário. "Eu não sabia como Joaquin reagiria. Apenas expliquei a situação e o deixei livre", disse o diretor.

"Freddie é um animal enjaulado. Estudei bichos selvagens sendo capturados. Eles não sabem como se comportar. É pura energia", descreve Joaquin. "Mas eu não sabia que o vaso se quebraria."

Para fazer o personagem, emagreceu dez quilos. "Eu vi a cara de alívio dele quando as filmagens terminaram", brinca Anderson. "Eu estava faminto e era a última cena. Já tinha passado no bufê e preparado o meu prato. Quando ele gritou 'corta', saí correndo e comi por uma semana seguida", conta.

"Não me venham com essa de que um ator pode ficar psicologicamente abalado. Qualquer criança sabe fingir sem se perturbar."

No fim da conversa, elogio sua comunicabilidade. Joaquin abre um sorriso, olha para trás e grita: "Cadê minha namorada? Você precisa falar isso para ela!" Ninguém aparece. Mas o ator está satisfeito.

Sabe que tem pela frente "Her", filme de Spike Jonze ("Quero Ser John Malkovich"), no qual fará um sujeito apaixonado pela voz do sistema operacional do celular. "Spike não deixa ninguém sair até conseguir a cena perfeita. Nem que todo mundo passe a noite na filmagem."

"Não é maluquice?", pergunto. Ele responde calmamente. "Só o tédio é insano."

Mais opções
  • Enviar por e-mail
  • Copiar url curta
  • Imprimir
  • Comunicar erros
  • Maior | Menor
  • RSS

Livraria da Folha

Publicidade
Publicidade
Publicidade
Publicidade

Envie sua notícia

Siga a folha

Livraria da Folha

Publicidade
Publicidade
Voltar ao topo da página