Protesto pelo clima em SP pede ações imediatas e tem encontro com autoridade

Jovens foram convidados a conversar com assessor de mudanças climáticas do estado, mas ficaram frustrados com falta de respostas

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São Paulo | Reuters

Crianças, jovens do ensino médio e universitários de São Paulo que se uniram à greve global pelo clima nesta sexta (24) não ficaram só com cartazes em riste e puderam conversar cara a cara com representantes do governo estadual na área de mudanças climáticas na Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (Sima).

Em uma tarde fria e chuvosa, o protesto, que pede ações contra as mudanças climáticas e começou ao redor do mundo por iniciativa da adolescente sueca Greta Thunberg, 16, ocorria em frente ao prédio da Sima, quando Oswaldo Lucon, assessor de mudanças climáticas da secretaria, convidou o grupo de cerca de 30 jovens a entrar.

Ocupando o palco de um auditório do prédio, os manifestantes tinham Lucon, que também é integrante do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), da ONU, como alvo dos questionamentos e das cobranças. 

Espécies extintas, os riscos dos agrotóxicos, o impacto da pecuária na emissão de gases estufas brasileiros. Mesmo com o foco em questões macro das mudanças climáticas, o universo mais próximo dos jovens também fez parte da discussão. Uma das crianças, ainda no ensino fundamental, reclamou da pouca movimentação dos brasileiros quanto ao assunto, enquanto uma segunda se mostrou incomodada pela falta de educação ambiental e deu o exemplo de colegas que jogam cascas de banana no meio do lixo reciclável. Houve até quem corrigisse a palavra lixo —o termo mais apropriado, segundo um dos manifestantes, é resíduo.

O grupo queria repostas imediatas para solucionar esses problemas e questionava a injustiça da conta das mudanças climáticas ter que recair sobre os mais jovens e não sobre quem provocou o aumento das emissões globais e a destruição de ecossistemas.

“Vou falar uma visão pessoal, como velho. Velhos não costumam escutar jovens”, disse Lucon à plateia de rostos com expressões de angústia.

Para a decepção dos jovens, Lucon explicou que soluções não são simples e sugeriu que o grupo se organizasse para formular documentos que pudessem ser levados a autoridades. Segundo ele, os jovens ali presentes precisam mirar cargos públicos e em empresas para conseguirem, eles mesmos, tomar as decisões que podem trazer mudanças.

A sensação de urgência do grupo em São Paulo reflete uma das frases da jovem ativista sueca que deu início aos protestos: “Nossa casa está em chamas. Eu não quero a sua esperança, não quero que vocês sejam esperançosos, eu quero que vocês entrem em pânico, quero que vocês sintam o medo que eu sinto todos os dias. Eu quero que vocês ajam, que ajam como se a casa estivesse em chamas, porque ela está”.

Para Lucon, passar para os mais jovens mensagens de total desesperança pode não ser o melhor caminho e é importante brigar mas também tentar trazer soluções para os problemas.

Ainda que aparentemente frustrados, os jovens conseguiram mais do que muitos manifestantes ao redor do mundo nesta sexta e foram ouvidos por uma autoridade climática.

”Essa é a primeira reunião do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas”, disse Lucon, que comanda o órgão integrado por representantes do governo e da sociedade civil.

Amanda Costa, 22, classifica a conversa como uma vitória e um primeiro passo do movimento. “É muito difícil estabelecer diálogo. Acho que a frustração vem de estarmos com medo. Queremos agir, mas não sabemos como. Quais ações podemos adotar para reverter a conjuntura?”

Já na Suécia, Thunberg instou os políticos europeus a enfrentar a crise do clima em vez de continuarem “brigando” entre si. 

Os 28 países membros da União Europeia começaram nesta semana a escolher seu novo Parlamento, e Thunberg disse que a ameaça de uma fratura social causada pela mudança descontrolada no clima se sobrepõe a todas as demais questões da campanha.

“Se a União Europeia decidisse combater seriamente a crise do clima, isso poderia significar uma mudança mundial decisiva. E a eleição na União Europeia deveria girar apenas em torno disso, se fôssemos sensatos. Mas não é o que acontece”, disse Thunberg a milhares de simpatizantes reunidos na praça Kungstradgarden, no bairro financeiro de Estocolmo.

Por volta das 13h (horário de São Paulo), 300 mil jovens haviam aderido à paralisação em 1.780 cidades de 128 países, de acordo com um cômputo inicial no site do movimento Fridays for Future. O número mais tarde cresceu com a adesão de mais manifestantes nas Américas.

Em 15 de março, estima-se que 1,6 milhão de jovens tenham participado de uma paralisação mundial de escolas.

A mudança no clima ganhou espaço na agenda política este ano, e o medo dos jovens que estarão votando pela primeira vez de que serão eles que terão de arcar com as piores consequências do aquecimento global estimulou a adesão a candidatos ecológicos.

No entanto, boa parte do debate no início da campanha para o Parlamento Europeu se concentrou em questões como a imigração e as políticas de austeridade em vez de explorar maneiras pelas quais a sociedade possa se converter a um modelo de emissões baixas de carbono em tempo para evitar os cenários mais pessimistas quanto ao clima.

Thunberg emergiu como figura emblemática desde que iniciou seus protestos pelo clima, em agosto, diante da sede do Parlamento sueco. Ela foi indicada para o Prêmio Nobel da Paz, foi tema de reportagem de capa na revista Time e viajou pela Europa de trem para criticar figuras importantes dos governos e da indústria automobilística.

Crianças, adolescentes e adultos que se sentiam impotentes diante da crise do clima se reuniram em apoio ao movimento Fridays for Future, com greves às sextas-feiras, na esperança de forçar políticos e líderes empresariais a escutar os alertas dos cientistas.

Nesta sexta (24), os jovens já falaram em uma greve geral mundial programada para o dia 20 de setembro.

Em Paris, Celia Benmessaoud, 15, tinha em mãos um cartaz que dizia “Não Existe Planeta B”, e disse esperar que a paralisação escolar mudasse o mundo, ecoando esperanças expressadas por participantes na Índia, Turquia e Gâmbia, Austrália e Nova Zelândia.

“Estou preocupada com todos os desastres climáticos. A cada vez que temos uma onda de incêndios nas matas, um novo animal pode ser extinto”, disse Nina Pasqualini, 13, que participou de uma manifestação em Melbourne, Austrália, convocada pelo movimento de desobediência civil Extinction Rebellion.

“O governo não está fazendo tudo que pode. É assustador para as gerações mais jovens”, ela disse, mostrando um cartaz que pede o cancelamento da licença para uma nova mina de carvão na Austrália.

A Austrália acabou de passar por uma campanha marcada pelas discussões em torno dos efeitos que o superaquecimento do planeta sobre a 19º economia do mundo.

A emissão de poluentes no país aumenta constantemente desde 2014, ano em que o governo liberal de Tony Abbott, cumprindo promessa de campanha, abandonou a cobrança da taxa de carbono que recaía sobre empresas poluentes. 

O dinheiro arrecadado era usado em iniciativas para diminuir a emissão de poluentes e apoiar o crescimento de iniciativas de energia limpa.

Diante do cenário, o conservador Scott Morrisson, 51, atual primeiro-ministro da Austrália conhecido por seu desdém em relação à energia renovável, se viu obrigado a mudar de atitude para não perder votos e passou a propor a redução dos níveis de emissão de poluentes em 26% até 2030. A coalizão também propôs um “fundo de soluções climáticas” no valor de US$ 2 bi para os próximos 15 anos. 

No sábado passado (18), ele foi reeleito nas eleições legislativas.

Na Noruega, manifestantes do grupo ambiental Extinction Rebellion bloquearam o acesso ao banco central do país, exigindo que o fundo de investimento nacional de US$ 1 trilhão, o maior do planeta, deixe de investir em companhias que promovam a queima de carvão.

Buscando atrair atenção para as “medidas não efetivas contra a mudança do clima”, os manifestantes planejam ações mais amplas contra o governo a fim de bloquear a produção de petróleo e gás natural pela Noruega, afirmou a organização em um comunicado.

Antes conhecido como Government Pension Fund Global, o fundo nacional de investimento norueguês foi constituído usando décadas de receitas gerada pelo setor petroleiro do país, e investe todo esse dinheiro em ações, títulos e imóveis no exterior.

Embora o fundo detenha participações acionárias em mais de nove mil empresas, está sujeito a diversas limitações, o que inclui proibições de investimento em empresas que produzam armas nucleares ou tabaco, bem como em companhias que derivem mais de 30% de sua receita ou realizem mais de 30% de suas atividades no setor de carvão.

Um porta-voz do banco central se recusou a comentar.

A Noruega é o maior produtos de petróleo cru e gás natural da Europa, com a estatal Equinor na liderança do setor.

No mês passado, a Extinction Rebellion paralisou partes de Londres com 11 dias de protestos contra a mudança do clima, que a organização descreveu como maior ato de desobediência civil na história britânica recente.

Em Frankfurt, Alemanha, estudantes planejavam marchar até a sede do Banco Central Europeu (BCE) para exigir que a instituição pare de financiar o setor de combustível fóssil.

O BCE afirma que sua missão é controlar a inflação e não favorecer determinados setores de mercado de preferência a outros. 

As emissões mundiais de carbono bateram um recorde no ano passado, apesar do alerta do Painel Intercontinental sobre a Mudança no Clima, da ONU, em outubro, de que a produção de gases precisa ser severamente reduzida nos próximos 12 anos, para estabilizar o clima.

O aquecimento global causado pelos gases do efeito estufa, gerados pela queima de combustíveis fósseis e causadores de aprisionamento de calor, já gerou secas e ondas de calor, derreteu geleiras, elevou o nível do mar e provocou inundações, dizem os cientistas, e os modelos quanto ao clima preveem consequências ainda piores.

Com Reuters Tradução de Paulo Migliacci

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