Descrição de chapéu desmatamento pantanal

Salles passa 4 vezes mais dias de trabalho em SP do que no Pantanal e na Amazônia

Ministro manteve agenda em São Paulo em 25 dias; ministério diz que compromissos são encaixados em viagens pessoais

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Brasília

Em um ano marcado por aumento no desmatamento e nas queimadas na Amazônia e no Pantanal e pela consequente pressão internacional sobre o país, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, passou mais dias em compromissos de trabalho em São Paulo do que em todas as outras viagens feitas em 2020.

Desde o início do ano, as chamas já consumiram 21% do Pantanal. Na Amazônia, o desmatamento cresceu 34% de agosto de 2019 a julho de 2020, período considerado como referência pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Até setembro, Salles esteve em eventos e reuniões na capital paulista pelo menos em 25 dias. Na região da Amazônia, foram quatro dias, e no Pantanal, outros dois. Ou seja, o ministro passou quatro dias em São Paulo para cada dia em uma área afetada por queimadas ou desmatamentos.

O levantamento feito pela Folha na agenda disponibilizada no site do Ministério do Meio Ambiente levou em conta apenas os compromissos oficiais. Não foram consideradas viagens pessoais, uma vez que o ministro é natural de São Paulo.

De blazer cinza e camisa branca, Salles, um homem branco de meia idade, cabelo crespo e óculo, encara a câmara; por trás dele, enxerga-se um mapa do Brasil
O ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles - Pedro Ladeira-3.jun.20/Folhapress

Como esperado, a pandemia afetou o ritmo de viagens do ministro. Em maio, Salles manteve agendas públicas apenas em Brasília. Em junho, houve uma viagem para Florianópolis (SC), onde esteve para participar da assinatura de renovação de concessão do uso do parque ecológico de Córrego Grande.

Em seus compromissos em São Paulo, ele concedeu entrevistas, acompanhou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em eventos, encontrou-se com religiosos e manteve agenda na superintendência local do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis).

Houve compromissos frequentes com representantes do mercado imobiliário. Apenas nos últimos três meses, Salles manteve seis agendas com o setor, entre almoço, reuniões e participação em eventos.

Na segunda-feira (28), o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) aprovou uma resolução que na prática eliminou outras legislações e reduziu a proteção para áreas de restingas, em regiões litorâneas, e também em torno de reservatórios de água.

As medidas beneficiam o mercado imobiliário, que tem interesse em construir empreendimentos nessas regiões.

“A atividade econômica, o diálogo com o setor empresarial é legítimo. O problema é que a situação está desbalanceada, porque o ministério está ouvindo um lado só”, afirma Carlos Bocuhy, presidente do Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental).

“Mas a lógica da atual gestão é justamente neutralizar o controle social, não atender a demanda da sociedade civil. O Conama seria o espaço para diálogo, mas foi destruído pela atual gestão”, completa.

Bocuhy se refere ao decreto de maio de 2019 que reduziu o número de conselheiros, principalmente de representantes da sociedade civil. Na prática, o novo formato do conselho deu amplo poder para o ministério aprovar medidas de seu interesse.

Representantes de entidades ligadas à Amazônia defendem que o ministro visite mais a região.

“Isso é essencial para que o ministro possa compreender a complexidade da realidade amazônica, incluindo os vetores e agentes envolvidos no desmatamento, incêndios florestais, garimpo e extração ilegal de madeira, bem como as soluções para a grave crise que vivemos na Amazônia", diz Virgilio Viana, superintendente-geral da FAS (Fundação Amazonas Sustentável).

As viagens a São Paulo são criticadas pelo Legislativo. “A agenda de Salles é a prova objetiva do quanto despreza a Amazônia e o Pantanal”, afirma o deputado Alessandro Molon (RJ), líder do PSB na Câmara dos Deputados.

“Enquanto os dois biomas são devastados, o ministro do Meio Ambiente ainda planeja o desmonte do Ibama e do ICMBio, demonstrando que sua prioridade é o enfraquecimento dos órgãos de proteção e a flexibilização das normas ambientais. É um antiministro do Meio Ambiente."

O Ministério do Meio Ambiente afirma que parte das agendas do ministro em São Paulo se deve ao fato de ele ser natural da capital paulista. Por isso, ao saberem que estará na cidade, interessados buscam marcar audiências.

"Nossa agenda é supervariada, procuramos receber todos os setores. Se o terceiro setor reclama que eu não os recebo, talvez seja porque eles não pedem para serem recebidos", afirma Salles.

O Ministério encaminhou um levantamento de toda a agenda presencial do ministro —incluindo os compromissos em Brasília e não apenas nas viagens, foco desta reportagem.

Os dados mostram que Salles manteve, em 2020, 63 compromissos com autoridades, 29 encontros com o terceiro setor, 24 entrevistas para a imprensa, 13 com representantes do agronegócio e dez encontros com o setor industrial.

Contrariando ONGs que relatam falta de diálogo com o ministério, a Associação Novo Encanto de Desenvolvimento Ecológico manteve audiências com Salles no último ano. “Pedimos audiências para esclarecimentos a respeito das manchas de óleo no Nordeste, sobre desmatamento e sobre a continuidade da agenda do Conama”, afirma Carcius Azevedo dos Santos, diretor executivo.

Santos diz que o ministro sempre se mostrou disponível e que sua ONG mantém postura independente —votou, por exemplo, contra a proposta que reduziu proteção nas áreas de restingas.

“Em um dos encontros, eu fiz críticas à fala da boiada”, disse, sobre declaração de Salles, em reunião ministerial, de que aproveitaria a pandemia do novo coronavírus para “passar a boiada” na legislação ambiental.

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