COP26 evidenciou divisão brasileira na agenda do clima

Governo federal tentou vender o que chama de 'Brasil real', enquanto ONGs e governadores corriam por fora

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Glasgow (Escócia)

Dois Brasis foram à COP26. Um deles se autointitulou o "Brasil real", no pavilhão oficial do país na conferência do clima da ONU, patrocinado pelas confederações nacionais da indústria (CNI) e da agropecuária (CNA).

Foi o estande paralelo, porém, o Brazil Climate Hub, que lançou estudos para o desenvolvimento de baixo carbono e para uma retomada econômica verde, além de parcerias internacionais com previsão de investimentos na conservação florestal.

Ministro em um plenário, com dois microfones. No primeiro plano, desfocado, um homem parece fotografá-lo com o celular
O ministro Joaquim Leite em discurso em Glasgow, durante a COP26 - Yves Herman - 10.nov.2021/Reuters

Pela primeira vez, o Brasil ficou dividido em dois pavilhões, separados por dois corredores de distância, e sem eventos conjuntos do governo federal com a sociedade civil organizada.

O termo "Brasil real" foi usado recorrentemente nos eventos oficiais, como os discursos do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite. Esses eventos não admitiram perguntas do público e uma coletiva de imprensa em uma sala foi restrita para até dez pessoas. A preocupação, segundo a assessoria da pasta afirmou aos jornalistas na COP, foi evitar tumultos e manifestações.

A agenda completa do ministro não foi divulgada pela assessoria e a página do ministério na internet citava apenas que ele participava da COP26, sem detalhar as reuniões.

As tentativas de diálogo foram poucas. O embaixador Paulino Franco, negociador-chefe do Brasil na primeira etapa da COP26, visitou o estande mantido pelas ONGs e realizou briefings com membros da sociedade civil organizada, assim como do setor privado, informando sobre o avanço das negociações.

No sábado (6), a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) foi informada por jornalistas que o estande das ONGs receberia o evento de assinatura de um memorando de entendimento entre os governadores do Consórcio da Amazônia Legal e a Coalizão Leaf, que promove a compensação de emissões de gases-estufa de grandes empresas, com apoio do Reino Unido e da Suécia.

A senadora apareceu no evento, discursou e tirou foto junto aos signatários. Entretanto, a ausência do governo federal nesse tipo de parceria internacional levantou preocupações de especialistas em créditos de carbono.

Para Gabriel Lui, coordenador do portfólio de uso da terra do Instituto Clima e Sociedade e que já respondeu pela agenda de economia florestal no Ministério do Meio Ambiente, o governo federal teria mais força para negociar uma parceria internacional, com critérios mais vantajosos ao país.

"Os estados que já têm bons resultados no controle do desmatamento podem ficar em desvantagem na remuneração dos créditos de carbono", cita Lui. Eles não têm, ele avalia, o mesmo poder que o Executivo nacional para defender, frente a uma iniciativa global, qual a linha de base para medição dos resultados.

Reunidos na iniciativa Governadores pelo Clima, os estados brasileiros mantiveram uma agenda de relações internacionais apelidada de paradiplomacia. As conversas foram mantidas com EUA, União Europeia, França, China e até com o príncipe Charles, herdeiro da coroa britânica.

Enquanto isso, em uma guinada discursiva na COP26, o governo de Jair Bolsonaro buscou convencer o mundo de que as críticas à política ambiental do país —que passa por desregulamentação e desmonte de órgãos— não representariam a realidade.

O ministro Joaquim Leite evitou citar dados de controle ambiental e chegou a afirmar à imprensa, em discurso de balanço da COP na sexta (12), que não acompanhou os dados de desmatamento —divulgados pelo governo cerca de oito horas antes da sua fala.

A despeito das tendências dos dados atuais, o governo apostou no enaltecimento das vantagens climáticas do país, como a ampla cobertura vegetal do território, a abundância de recursos hídricos e a matriz de energia elétrica majoritariamente de fonte renovável, que já contam com reconhecimento internacional.

Ainda no início da conferência, o governo federal anunciou a atualização da sua meta de redução de emissões —o corte passou de 43% para 50% até 2030. Também foi assumido o objetivo de atingir a neutralidade de carbono até 2050. O país aderiu ainda a compromissos internacionais para redução das emissões de metano e para a conservação das florestas.

A nova postura do país foi elogiada pelo presidente britânico da COP26, Alok Sharma, e também pelos Estados Unidos, mas ainda foi recebida com receio e desconfiança nas negociações e também por atores econômicos, como investidores europeus.

"Cortinas de fumaça estão sendo apresentadas em vez de medidas genuínas", afirmou Kiran Aziz, diretora de investimentos ESG (sigla em inglês para critérios ambientais, sociais e de governança) do maior fundo de pensão da Noruega, o KLP.

"Como um investidor global, temos que ser honestos e abertos: o chefe do país está repelindo o investimento estrangeiro através do seu caminho na direção de destruição de suas florestas", ela afirma. "O que quer que o ministro do Meio Ambiente diga é Bolsonaro quem manda", conclui.

A jornalista viajou a convite do InstitutoClima e Sociedade.

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